Por Laís Oliveira
O Brasil foi o último país do continente americano a abolir a escravidão e, infelizmente, essa herança histórica ainda se faz presente mais de um século depois quando constatamos os dados. Neste país, mesmo representando a maior força de trabalho, pretos e pardos (classificação usada pelo IBGE) são mais atingidos pelo desemprego e ganham pouco mais que a metade dos rendimentos do trabalhadores brancos no país.
De acordo com os mais recentes (2019) dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, dos 12,8 milhões de desempregados no Brasil, 65,7% são negros. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), divulgados em novembro de 2019, apontam que 8,2 milhões dos 12,8 milhões de desempregados no Brasil são pretos ou pardos – disso equivale a dois em cada três desempregados do país. A taxa de desemprego entre esta parcela da população chegou a 14,6%, contra 9,9% dos trabalhadores brancos; além disso, a proporção de pretos e pardos com carteira assinada é inferior à dos brancos (71,3% contra 75,3%).
Mesmo correspondendo a 66% da força de trabalho doméstico do país, o desemprego é maior nesta parcela da população e, além desses dados alarmantes, contatou-se que, mesmo em pleno século 21, pretos e pardos também recebem menos que os trabalhadores brancos. O racismo estrutural gera diferença salarial de 31% entre negros e brancos.
Ainda de acordo com dados do IBGE, os trabalhadores pretos e pardos recebem, em média, R$ 10,1 por hora trabalhada no Brasil. Entre os brancos, esse valor é de R$ 17 por hora. O reflexo disso é o rendimento bem menor dos negros no final do mês, na comparação com o brancos, já que o trabalho informal paga menos que o formal. Em média, o trabalhador negro recebe R$ 1.608 por mês – apenas 57,5% da média do rendimento do trabalhador branco, de R$ 2.796 mensais.
E o que esses dados refletem?
O levantamento feito pelo IBGE demonstra o quanto a desigualdade social ainda está presente no Brasil. Ela se reflete em todos os campos: financeiro, de oportunidades no mercado de trabalho, no acesso à educação e lazer, boas condições de vida, entre outros dados.
Para o coordenador de trabalho e rendimento do IBGE, Cimar Azeredo, a desigualdade no mercado de trabalho brasileiro vem desde a colonização do país e precisa ser erradicada ou diminuída o quanto antes. “Estamos falando de uma população que tem origem afrodescendente, que entrou no país através da escravidão. Em mais de 100 anos de libertação dos escravos, esta pesquisa mostra que existe desigualdade ainda expressiva no país”, afirmou Azeredo.
“Entre os diversos fatores que influenciam nesses dados estão a falta de experiência, de escolarização e a formação de grande parte da população de cor preta ou parda. Muitos não têm acesso à escola, à educação de qualidade e ensino superior, e isso tem consequências diversas”, completou.
Mercado desfavorável, mais informalidade
A pesquisa também apontou que a proporção de empregados pretos e pardos com carteira assinada é de 71,3%, inferior aos 75,3% registrados entre os brancos. Com um mercado desfavorável, muitos partem para a informalidade para ganhar dinheiro e conseguir sobreviver. Segundo o IBGE, um quarto (25,2%) de todos os trabalhadores pretos ou pardos atuou como vendedor ambulante no terceiro trimestre deste ano.
Como chegar ao mercado de trabalho para competir por igual com a população branca e privilegiada se a educação não é de qualidade para aqueles com poucos recursos? Prova dessa falta de experiência em funções e empregos que demandem ensino superior é que, ainda de acordo com o levantamento, a ocupação da população preta e parda superou a da população branca em quatro dos dez grupos de atividade pesquisados pelo instituto: na agricultura, na construção, nos serviços de alojamento e alimentação e, principalmente, nos serviços domésticos.
A necessidade de políticas públicas no Brasil e educação de qualidade para todos
No Brasil, as heranças das desigualdades sociais se acumulam ao longo de sua formação histórica. Um dos principais exemplos deste fato pode ser percebido pela forma como os negros foram excluídos do mercado de trabalho logo após o período pós-escravidão. Este processo de exclusão social por meio da raça fez com que os negros fossem marginalizados às situações de pobreza e miséria que são perpetuadas ainda hoje e visto nas periferias, favelas e morros do país.
Apesar do desenvolvimento econômico ocorrido após o governo de Fernando Henrique Cardoso, as desigualdades não diminuíram e dificultam a vida dos brasileiros ainda hoje. Seria ingênuo pensar que as mudanças ocorreriam de forma rápida e eficaz, mas para isso acontecer é necessário criar políticas universais e políticas focalizadas na intenção de amenizar os problemas gerados pela desigualdade.
De acordo com o movimento Todos Pela Educação, a falta de oferta de uma educação de qualidade é o que aumenta esta desigualdade, pois os brancos concentram os melhores indicadores e são a parcela da população que frequenta a escola por mais tempo. E os estudantes mais vulneráveis são os que têm acesso a escolas com piores infraestrutura e ensino.
“Se a gente tem uma dívida histórica com a população negra, não basta só ter direitos iguais, não adianta a gente só dar direitos iguais a negros e pardos, a gente tem que ter políticas específicas inicialmente na educação básica”, afirmou a presidente do movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz.
Nesse contexto, é necessário dar melhores escolas para a população negra e parda desde o ensino fundamental e, mais à frente, vagas na universidade pública. Só a educação vai conseguir romper o ciclo de exclusão e pobreza em que estão presas há gerações.
É necessário haver política pública específica que alcance a população afetada pelas desigualdades. Não adianta ter apenas diploma no Brasil, pois numa disputa por vagas de emprego, o que estiver mais bem preparado ganha. É a qualidade que vai determinar boas oportunidades para pretos e pardos. Para conseguir qualidade, o Estado tem que dar muito mais para a população historicamente excluída.
*Esse artigo foi escrito originalmente antes da pandemia.
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