Durante uma viagem nos EUA, três amigas (Andressa, Larissa e Maria) fizeram a mesma tatuagem nos tornozelos: “No Matter Where.” Somente a Maria continua viva.
O sonho de uma vida melhor em solo estrangeiro transformou-se em pesadelo para as famílias de Larissa Araújo e Andressa Santos, de 28 e 26 anos, duas jovens brasileiras que buscavam oportunidades como au pairs nos Estados Unidos. O que começou como uma jornada de aprendizado e descobertas terminou de maneira abrupta e trágica em outubro de 2019, quando um acidente fatal em uma estrada remota ao sul da Califórnia ceifou suas vidas e deixou suas famílias em busca de respostas e justiça.
Vindas de famílias humildes de Santos (litoral paulista) e São José dos Campos (interior de São Paulo), Larissa e Andressa faziam parte de um grupo de amigos brasileiros que se conheceram em uma agência de au pairs e se encontravam constantemente para conversar, passear e até mesmo planejar algumas viagens, sempre com o objetivo de conhecer ainda mais o país que estavam morando. No país estrangeiro, a rotina de ambas era desenhada pelas tarefas domésticas das famílias que as abrigaram, a convivência com uma cultura diferente e o aprendizado contínuo que se propuseram a abraçar.
No dia 2 de outubro de 2019, planejaram, juntos, uma viagem para a Califórnia, chegando primeiro em São Francisco, passando por Los Angeles e, a caminho de São Diego, Larissa expressou a vontade de visitar a “Salvation Montain”, local próximo a Salton Sea e um dos pontos turísticos mais impressionantes da região, conhecido pelas cores, a arte, natureza e espiritualidade.
Larissa, bastante religiosa, animou-se com a ideia de poder ter contato com a obra do artista Leonard Knight, em Salvation Mountain, que ao longo de 30 anos rodeou o local com muitas cores e com os dizeres “God is Love”. Dessa forma, com um desvio de rota, seguiram por uma estrada mal sinalizada, sem placas ou qualquer outro tipo de placas. Ao sair de lá, o grupo de amigos, separados em dois carros, acabaram perdendo-se na estrada, que estava passando por construções. No carro de Andressa e Larissa, o motorista era André de Sá, namorado de Larissa, que estava ao seu lado no banco do passageiro. No mesmo veículo ainda tinham Cheng Zhang – sentado atrás do banco do motorista – e Andressa, logo atrás de Larissa.
Dessa forma, seguiram pela estrada de terra até uma encruzilhada que não possuía nenhum tipo de sinalização ou placas, e numa emboscada em um muro de terra do lado direito, sentiram-se completamente sem visibilidade ou noção do local em que se encontravam. Foi assim que perceberam uma caminhonete em alta velocidade se aproximar do carro, e o desespero tomou conta de todos. Presos, sem visibilidade ou qualquer tipo de rota de fuga, tentaram desviar do veículo da agência governamental Coachella Valley Water District (CVWD), responsável pelo controle de água na região. No entanto, o motorista da companhia acelerou ainda mais e acertou em cheio o lado direito do carro dos amigos.
O motorista da CVWD, Josué Gonzales, andava acima da velocidade permitida na região – a 55 milhas por hora – e, na hora que avistou o veículo na encruzilhada, acelerou acima de 60 milhas por hora. Na ocasião, contou à polícia que apertou o freio, mas ao acessar o computador de bordo da caminhonete, foi possível identificar que na realidade, ele tinha pisado no acelerador.
Este dia ficou marcado para sempre na família, amigos e conhecidos de Larissa e Andressa, que apesar dos esforços dos bombeiros no resgate, perderam suas vidas, sonhos e tudo que haviam aprendido até ali. Andressa morreu no próprio acidente e Larissa conseguiu ser resgatada. Mas, após sofrer três paradas cardíacas, não resistiu e faleceu no caminho da UTI.
De acordo com o Governo Federal, quando algum cidadão brasileiro perde a vida em outros países, o óbito é registrado em Repartição Consular, mediante declaração de familiar brasileiro ou de um representante escolhido pela família, que deverá comparecer ao Posto Consular da região.
As famílias, amparadas pelo advogado especializado em acidentes Michael Stone-Moloy, moveram ações judiciais contra a CVWD e o Condado de Imperial. A batalha, marcada por denúncias de descaso, xenofobia e desrespeito às vítimas brasileiras, mobilizou a imprensa local, que chegou a noticiar a colocação tardia de uma placa de STOP no cruzamento — instalada apenas depois de outro acidente fatal no mesmo ponto.
O advogado Michael comenta que a luta das famílias não é somente pela perda trágica das filhas, mas sim por todo o desrespeito e injustiça como o caso foi tratado. “Estamos em busca de justiça para Larissa e Andressa, que terminaram a vida muito cedo em busca de grandes sonhos, que foram menosprezados pelo motorista, pela empresa pública e pelo Condado”.
Entendemos que casos assim, infelizmente, acontecem em todos os cantos do mundo, mas é essencial que a população se envolva para que sejamos ouvidos com força e tenhamos justiça neste e em todos os outros acidentes que envolvam não somente brasileiros, mas pessoas estrangeiras que estejam em qualquer país. “O descaso com o acidente é um sinal de xenofobia que está presente em todas as regiões e é exatamente o motivo e a força de toda a nossa luta”, comenta o advogado Michael.
A luta e o desfecho legal
A luta das famílias se manteve viva, sempre com a esperança de responsabilizar os culpados. Ao longo desse período, campanhas como #justicaporandressaelarissa e #justice4aupairs ganharam repercussão, sensibilizando pessoas no Brasil e nos EUA.
O caso, no entanto, não terminou no vazio. As ações legais resultaram em um acordo de recompensa financeira em 2024, que, embora não devolva as vidas de Larissa e Andressa, representou uma forma de responsabilização e reconhecimento da tragédia. Mais do que o valor, o desfecho trouxe a sensação de que a luta não foi em vão: a repercussão pública e a mobilização social em torno do acidente foram como uma vitória moral e simbólica das famílias.
