Por Lívia Caroline Neves | Edição: Sandra Lobo
O surgimento do biquíni, essa tão famosa e amada peça em quase todos os lugares do mundo, é no mínimo curioso. O nome foi inspirado no Atol de Bikini, no Pacífico Sul, onde os americanos realizavam testes nucleares. E, realmente, o biquíni teve o efeito de uma bomba atômica no conservadorismo do pós-guerra. Os puritanos tentaram bani-lo, e a imprensa previu que a moda não duraria quinze dias.
Equívoco imperdoável: o biquíni, que já está com 70 anos de idade, provou que o mundo fashion nunca utilizou tão pouco tecido para lançar uma tendência capaz de revolucionar o estilo de praias e piscinas do mundo todo.
São sete décadas de revolução no modo de se vestir em locais públicos e, claro, muita sensualidade. Nada contra os gênios da ciência, mas se existe alguém a quem a humanidade deveria agradecer, esta pessoa chama-se Louis Réard. Foi o estilista francês que, em 3 de julho de 1946, teve a brilhante ideia de criar um maiô de banho com muitos centímetros a menos que o habitual, revelando ao mundo todos aqueles detalhes únicos do corpo feminino que, até então, só eram vistos entre quatro paredes.
A Popularização dos Biquinis
Os biquínis chegaram ao cinema como embalagem das estrelas. Em 1956, Brigitte Bardot provocou furor no filme “E Deus criou a mulher”. Oito anos mais tarde, usando um generoso biquíni, a musa francesa transformou a pacata vila de pescadores de Búzios num balneário mundialmente conhecido. E em 1965, foi fotografada com um biquíni xadrez enfeitado com babadinhos. As mulheres do mundo inteiro resolveram, então, copiá-la.
O biquíni se popularizou nos anos 60, quando uma variedade nunca vista de fórmulas para revelar o corpo feminino, começaram a aparecer. O apelo vinha de longe, ligado ao esporte, sem tanta preocupação estética. Um estilo de viver e de vestir refletidos nos filmes de diálogos leves e roteiros ingênuos, que tentavam exaltar as maravilhas do surfe, saído do Havaí.
Prometiam um mundo mais naturalista, dedicado ao culto do mar e do sol, vestidos de estamparias primitivas, bi colores, com hibiscos do Taiti, sandálias de borracha, cabelos lisos e longos, sem laquês e desfiados. Há quem ainda insistisse em vestir os padrões da helanca, sem dar atenção ao estilo muito mais leve e colorido dos surfistas nas pranchas de madeira, dentro das ondas “tubo”.
Passo a passo, com a pílula e a liberação sexual, o biquíni foi mexendo com a cabeça do Brasil e do mundo, e adquiriu o seu espaço. Para se ter uma ideia, o controverso Jânio Quadros, na época presidente da República, chegou a proibi-lo. E as duas peças de bolinhas amarelinhas ingênuas, que Ronnie Cord cantava, foram cedendo lugar a formas e atitudes cada vez mais ousadas.
Polêmica e ousadia aconteceram mesmo na década de 70, onde a quebra dos padrões morais foi tão grande, que o mundo ficou abalado. Passar o dia na praia era o objetivo máximo da população costeira. A estética arrumadinha, dos anos 60, foi convertida em jovens de calça jeans, cabelos desgrenhados e roupas que podiam ser pudicamente longas, como as saias indianas, ou audaciosamente exibicionistas, como as túnicas transparentes. Qualquer coisa que lembrasse apertos ou artificialismos, como o sutiã, era execrada.
Improvisos dominavam as praias, onde homens iam de tangas de couro ou crochê, e as mulheres diminuíam os biquínis. Na onda do sucesso, novos modelos desfilavam pelas areias do mundo: sutiã sem amarração ou enchimento, e calcinhas amarradas com alças finas. Detalhes coloridos nas laterais traziam um espírito meio tribal, que neutralizava a realidade sintética dos jérseis tipo Agilon, que secavam rápido e tinham cores firmes, além de aderirem ao corpo de um jeito inédito.
E no Brasil… Leila Diniz
Leila fez história ao valorizar a liberdade, o prazer sexual, a independência feminina e o modo bem humorado e irreverente de viver. A condição de atriz lhe permitiu ter acesso aos meios de comunicação para reafirmar publicamente suas ideias e comportamentos. A partir daí, muitas mulheres tomaram coragem e começaram a se comportar de forma diferente, tendo como modelo a sensual Leila Diniz.
Foi também na década de 70 que Leila Diniz, com o seu comportamento revolucionário, chocou o país ao amamentar em público e exibir de biquíni na praia de Ipanema sua barriga de grávida. Leila mostrou de forma pioneira sua gravidez fora do casamento, quebrando o modelo feminino de mulher como esposa-mãe.
Ela inventou seu lugar no mundo, fez um nome, tornou-se palavra reconhecida em músicas e poemas. Morreu aos 27 anos em um acidente de avião, em 1972. Mas suas lições ficaram gravadas na memória de todos que conviveram com ela e também dos que a admiravam. Era uma pessoa livre e em paz com o mundo.
Mas a moda do biquíni não parou por aí. A década de 80 exigia corpos perfeitos, modelados em academias para serem exibidos no verão. O surgimento de um novo material – a lycra – criação da indústria química Dupont, e do estilo aeróbico trazido das aulas de ginástica, influenciaram os estilistas na criação de novos biquínis e maiôs. Os biquínis são mais largos do que os triangulares mínimos dos anos 70, mas com uma curva pronunciada, desenhada igual as asas voadoras. Surge ,então, o famoso biquíni asa-delta.
A mistura de origens abre novos caminhos para o comércio. Os anos 80 trazem as cavas pronunciadas acentuadas por debruns, estampas florais e abstratas, e as estampas inspiradas em peles de animais. Correndo por fora chega o artesanal, como sempre. Vindas de Bali, as cangas de tear mudam o visual da praia, substituindo as camisetas grandes e camisas sociais masculinas, que até então serviam de “saídas”. Os homens adotam calções maiores, os surfistas autênticos aderem ao neoprene, couraça negra com vivos coloridos, copiados dos mergulhadores submarinos. As mulheres chegam ao fim da década no auge da nudez, quando o asa delta é reduzido ao fio dental. Um verdadeiro sucesso, documentado para posteridade mundial em milhares de cartões postais, onde bumbuns bronzeados deitados nas areias são tão cariocas quantos outras elevações turísticas, como o Corcovado e o Pão de Açúcar.
Nos anos 90 aconteceram revivals na moda de praia. Saímos do asa delta para o biquíni baixo (saint-tropez). Adotamos o biquíni de crochê, que foi moda nos anos 70. A lateral e os lacinhos ficam menores, e aumenta-se o tamanho traseiro. Entra na moda o sutiã meia-taça, com suportes e o de cortininhas. Chegamos ao final da década de 90 com o estilo academia de vestir.
Chega a vez da geração saúde, e as areias continuam pedindo corpos esbeltos, no entanto agora mais atléticos do que nos anos 80. As cangas, pouco a pouco foram sendo substituídas pelos shortinhos de cotton lycra, e depois pelas sainhas de lycra.
A moda vai ficando cada vez mais funcional, não se usa mais a lycra para malhar e sim misturada com o algodão, permitindo a pele respirar melhor. Derruba-se o mito de que suar emagrece. A moda masculina não muda muito, e voltam os sungões usados nos anos 50. As bermudas de tactel ficam um pouco de lado, os homens querem também exibir seus corpos. E assim caminha a moda, indo e vindo, seguindo o comportamento da época, refletindo o estilo, numa maneira brasileira de ser.
Nos anos seguintes a indústria têxtil aposta no sucesso dos biquínis com modelagens bem pequenas e cavadas: biquínis de cintura baixa e maiôs recortados nas laterais e presos com uma argola no centro. Misturam-se também partes lisas com estampadas e cores vivas e diferentes na mesma produção, surgindo assim coleções de moda-praia.
Como muitos dizem, o biquíni foi um acidente geográfico que virou nome de uma ousadia praiana, reforçando a imagem do Brasil como um país alegre e tropical. E ele continua cada vez mais na moda. Apesar da idade, ele, que já passou por várias transformações, continua conquistando e seduzindo os olhos de quem vê, transformando os corpos de quem veste, colorindo as praias cariocas, e outras Brasil e mundo afora, deixando o restante do mundo admirado com nossa criatividade e ousadia. A história do biquíni, sem dúvida, se confunde com a história da revolução feminina no Brasil.
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