Por Lizoel Costa
Helena, a selvagem poetisa das cordas palhetadas por lasca de chifre de boi, era chamada erroneamente de violeira. Em todos os shows que assisti dessa guerreira valente, cujas veias corria sangue índio, brasileiro e paraguaio, nunca a vi tocando viola, e sim um violão de aço, que tanto podia ser um dobro da Del Vecchio como outros modelos da linha Folk.
Para Helena, o sonho era o que contava desde pequena quando foi apresentada às seis cordas através de um paraguaio viajante que passara pela fazenda Jararaca, no município de Campo Grande, onde nasceu. Cansou de dizer que queria morrer tocando. E foi longe essa mulher de fibra.
Forjada na dureza da vida das fazendas do antigo Mato Grosso, ganhou mundo, presidiu a correção de todos os enganos que pudesse ter se metido na empreitada de abandonar família em busca do ideal de ser uma instrumentista, e levou aos limites sua música em todo espaço possível que aparecesse e fosse notada. Helena vivia como se tivesse um espinho de sonhos enterrado no peito que movia sua ânsia de se expressar através do violão.
Desmantelou-se ao mundo em cacos de saudade, mas foi deixando pra trás, maridos e amigos que a impedissem de seguir sua rota traçada. Cuidou para que nada a fizesse desistir de empunhar seu instrumento de madeira e aço e mostrar a cara perante o mundo. Alumbramento que só artistas muito especiais possuem.
Passou-se o tempo neste mundo de Deus, até que o violão de Helena surgisse forte e imponente quando ela já contava com mais de setenta anos. Sua música era como um vinho velho guardado nas adegas mais recônditas de sua alma, esperando apenas o momento de se revelar. Era a Helena de alma sagrada e forjada nos ideais de nunca se desvanecer frente às intempéries da vida.
E foi assim até o momento que os especialistas da revista americana Guitar Player deslumbraram-se com sua arte e a revelaram ao seu país natal cego. Fosse apenas uma dor e as lágrimas inevitáveis pela partida de Helena Meirelles do nosso convívio, talvez fingíssemos suportar o fato de que o mundo continua seu curso normal de amanhecer e anoitecer.
No entanto, só nos resta compartilharmos a saudade que fica nas gravações deixadas por essa maestrina do cerrado, nos timbres inconfundíveis dos solos acalentados em ritmos Ternários das polcas e guarânias que marcarão a construção da identidade musical de Mato Grosso do Sul. A música de Helena, a perseverante e insubstituível, vive.
* Lizoel Costa é jornalista e músico, e reside em Campo Grande (MS). Ele é apresentador do programa “Na Cadeira do DJ” da Rádio FM Regional e escreve sobre música para diversos meios de comunicação
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