Por Linda Yudin
Os ancestrais africanos do Brasil, especialmente os povos Yorubá da Nigéria e Benin, viviam sob um sistema de crenças que colocava a natureza como o poder mais elevado. Para eles, a harmonia com os elementos naturais e o respeito à sua sacralidade eram fundamentais. Com a chegada ao Brasil, esse sistema deu origem ao candomblé, prática espiritual que reconhece os orixás como a manifestação da energia divina da natureza.
O candomblé foi introduzido no Brasil pelos milhões de africanos escravizados durante o tráfico transatlântico. Apesar da repressão imposta pela escravidão e pela Igreja Católica, essas tradições foram preservadas por meio de adaptações e do sincretismo, que associou os orixás a santos católicos para proteger a espiritualidade dos praticantes.
O candomblé se desenvolveu em quilombos e terreiros, que se tornaram centros de resistência cultural e espiritual. Esses espaços sagrados permitiram a manutenção de tradições orais, linguísticas e artísticas, reforçando a identidade afro-brasileira e garantindo a continuidade de um rico legado ancestral.
Na cidade de Salvador, Bahia, os orixás se tornaram símbolos religiosos e culturais, refletindo a rica presença africana. Esses símbolos são parte tanto da vida cultural tradicional quanto da contemporânea, inspirando devotos e iniciados em busca de conexão espiritual com o Mundo Cósmico.
Segundo a crença dos Yoruba, após a criação do mundo, cada orixá recebeu uma energia divina chamada axé, que lhes conferiu a habilidade de governar aspectos específicos do mundo material. Assim, cada orixá representa diferentes aspectos da natureza, reforçando o vínculo entre o sagrado e o humano, essencial na prática do candomblé. Por exemplo:
- Oxalá corresponde ao ar que respiramos.
- Oya/Iansã é associada aos ventos.
- Iemanjá se encontra nos oceanos e mares.
- Oxum pode ser encontrada nos rios e cachoeiras.
- Oxóssi é o caçador.
- Ogum é o guerreiro.
- Para Ossaim, que governa as ervas sagradas, as florestas são seu indicativo.
- Para se aproximar de Xangô, o deus do trovão e luz, deve-se ir a uma pedreira, pois é perigoso se aproximar de um deus da luz.
Orixás como Ancestrais Divinizados e o Significado do Axé
No livro “Orixás”, de Pierre Verger, filho adotivo da Bahia e uma autoridade em candomblé, o autor escreve que os orixás são considerados ancestrais divinizados que, quando viveram na Terra, estabeleceram controle sobre forças da natureza, como o trovão e as águas, além de atividades específicas como a caça e o uso das plantas.
Após a morte desse ancestral-orixá, foi permitido que esse poder fosse transmitido momentaneamente a um de seus descendentes ou devoto iniciado durante um estado de transe na cerimônia religiosa. Quando o corpo do devoto é possuído, essa força divina particular, chamada axé, é passada à comunidade (Pierre Verger 1981: 18).
O conceito do axé representa a fé no divino poder do universo, onde os seres humanos recebem força e energia do mundo celestial dos orixás. Na filosofia do candomblé, o axé é definido como o poder de fazer as coisas acontecerem, de invocar e criar luz, formando um caminho de energia positiva.
O Terreiro: Espaço Sagrado
Esse poder é simbolicamente expressado no contexto religioso do terreiro, onde danças cerimoniais, gestos, ritmos, canções, trajes, cores e um código de prática e comportamento criam um vínculo espiritual entre orun (o céu) e aiyé (a terra). A ligação geográfica e histórica entre a rica influência da África e das Américas mostra como os orixás foram recriados sob as condições cruéis de escravidão e intolerância da Igreja Católica.
Os templos de candomblé tornaram-se espaços sagrados onde os orixás encontram refúgio, manifestando a complexidade desse sistema espiritual que respeita profundamente o poder da natureza. A seguir, as descrições de seus símbolos e atitudes, que são as sabedorias populares mais comuns sobre esses orixás (Ligiério 1993 e Omari 1984).
Características dos Orixás
- Ogum
Função: Divindade da guerra, ferro e tecnologia. Ogum é muitas vezes invocado por aqueles que buscam força e proteção em tempos difíceis.
Habilidades: Abre caminhos, é o patrono dos ferreiros e guerreiros, garantindo proteção e força nas batalhas.
Cores: Azul e verde.
Saudação: “Ogunhê”.
- Omolu/Obaluaiye
Função: Divindade da varíola e doenças epidêmicas. Sua capacidade de curar doenças o torna uma figura muito respeitada em comunidades que enfrentam epidemias.
Habilidades: Cria doenças ou cura, possui profundo conhecimento sobre as ervas medicinais e a saúde.
Cores: Preto, vermelho ou branco.
Saudação: “Toto”
- Naná Buruku
Função: Divindade da lama e dos pântanos. Naná é vista como a mãe de todos os orixás, simbolizando a vida e a fertilidade.
Habilidades: Protetora dos segredos e responsável pela formação do corpo humano, representa sabedoria e ancestralidade.
Cores: Azul escuro, lilás e branco.
Saudação: “Saluba”.
- Oxumaré
Função: Governa o arco-íris e a serpente. Oxumaré é associado à riqueza e à prosperidade, trazendo abundância para os devotos.
Habilidades: Simboliza movimento e atividade, representa a continuidade da vida e a transformação.
Cores: Amarelo, verde e preto.
Saudação: “Arô Moboi”.
- Oxóssi
Função: Governador da caça e protetor das florestas. Oxóssi é frequentemente retratado como um arqueiro, simbolizando precisão e foco em seus objetivos.
Habilidades: Ajuda caçadores e protege os animais, garantindo a harmonia entre humanos e a natureza.
Cores: Azul claro e verde.
Saudação: “Okê Arô”.
- Xangô
Função: Divindade do trovão, luz, fogo e justiça. Xangô é frequentemente associado a uma balança, simbolizando a busca pela justiça.
Habilidades: Representa realeza e natureza guerreira, promovendo a justiça e a verdade.
Cores: Vermelho e branco.
Saudação: “Kawo Kabiyesile”.
- Logunede
Função: Filho de Oxum com Oxóssi. Logunede é um orixá jovem e dinâmico, associado à beleza e ao amor.
Habilidades: Representa tanto a caça quanto a pesca, simbolizando o equilíbrio entre os dois elementos.
Cores: Azul claro e amarelo.
Saudação: “Logun”.
- Ossaim
Função: Governa a sagrada força das folhas. Ossaim é visto como o guardião do conhecimento herbal e é essencial em rituais de cura.
Habilidades: Conhecedor do poder das plantas, é invocado para proteção e cura por meio das ervas.
Cor: Verde.
Saudação: “Ewé O”.
- Oya/Iansã
Função: Divindade dos ventos e das tempestades. Oya é conhecida por sua coragem e determinação, muitas vezes sendo associada à mudança e transformação.
Habilidades: Poderosa e autoritária, simboliza luta e força, é a protetora das mulheres e das causas justas.
Cores: Vermelho e terra.
Saudação: “Epa Hei Iansã”.
- Exu
Função: Divindade mensageira, responsável pela comunicação entre deuses, ancestrais e humanos. Exu é frequentemente mal interpretado devido à sua associação com o caos, mas ele é essencial para a ordem e o equilíbrio.
Habilidades: Cria calma e caos, equilibrando os seres humanos. É visto como um guardião das encruzilhadas e intercessor nas relações.
Cores: Vermelho e preto.
Saudação: “Laroyê”.
- Oxum
Função: Divindade dos rios e da beleza. Oxum é frequentemente vista como uma mãe amorosa, que cuida de seus filhos e do bem-estar da comunidade.
Habilidades: Representa delicadeza e poder, simboliza a fertilidade e a proteção das crianças.
Cores: Amarelo e dourado.
Saudação: “Ore Yeyé O”.
- Obá
Função: Governadora das lagoas e guerreira. Obá é conhecida por sua determinação e força, frequentemente invocada por aqueles que buscam liderança.
Habilidades: Envolvida em comércio e política, é uma líder forte e respeitada.
Cores: Vermelho e branco.
Saudação: “Obá Xirê”.
- Iemanjá
Função: Rainha dos oceanos e mãe de todos os orixás. Iemanjá é venerada em muitas culturas, sendo um símbolo universal de maternidade e proteção.
Habilidades: Protege pescadores e garante retornos seguros, simboliza amor e proteção.
Cores: Branco translúcido, azul e verde.
Saudação: “Odò Ìyá”.
- Oxalá
Função: Pai de todos os orixás. Oxalá é visto como um símbolo de esperança e espiritualidade, frequentemente associado ao nascimento e à renovação.
Habilidades: Governa a paz e a harmonia, trazendo luz e serenidade.
Cores: Branco.
Saudação: “Axé”.
A Influência Cultural dos Orixás
O mundo dos orixás é imenso e acessível na busca por luz e coragem em nossas vidas. Na cultura popular brasileira, artistas plásticos, dançarinos, músicos e chefs frequentemente encontram inspiração nesse universo. O vocabulário da dança afro-brasileira é baseado nos movimentos, gestos e histórias dos orixás.
A tradição do orixá informa a sociedade sobre espiritualidade, cultura e a descendência africana. Proporciona um sistema para viver em proximidade com os elementos da natureza e do mundo cósmico, ajudando a enfrentar os desafios da vida na Terra. No Brasil e pelas Américas, os orixás tornaram-se símbolos culturais, respeitados por seus poderes sagrados e profunda sabedoria. Axé!
* Linda Yudin é etnóloga formada em dança e passou as últimas três décadas pesquisando, apresentando e ensinando a dança afro-brasileira e suas tradições culturais. Ela é americana, vive em Los Angeles e é co-diretora artística da Viver Brasil Companhia de Dança – www.viverbrasil.com
Mt bom e ilustrativo este texto.