Por Linda Yudin
Os ancestrais africanos do Brasil, os Yoruba da Nigéria e Benin, viviam com um sistema de crença que colocava a natureza como o poder mais elevado. Eles compreendiam a necessidade de respeitar a natureza e honrar o sagrado vínculo entre os elementos naturais e os seres humanos.
No Brasil, esse sistema se desenvolveu na prática espiritual do candomblé, onde os orixás, ou divindades, são reconhecidos como a energia divina da natureza. Na cidade de Salvador, Bahia, os orixás se tornaram símbolos religiosos e culturais, refletindo a rica presença africana.
Esses símbolos podem ser encontrados tanto na vida cultural tradicional como na contemporânea. Tanto os devotos que passaram por um processo rigoroso de iniciação quanto os iniciados buscam inspiração espiritual e conexão com o Mundo Cósmico.
Segundo os povos Yoruba, após a criação do mundo, cada orixá recebeu uma energia divina chamada axé, conferindo-lhes a habilidade de governar certos aspectos do mundo material. Cada orixá representa variados aspectos da natureza, tanto dentro como fora do contexto religioso. Por exemplo:
- Oxalá corresponde ao ar que respiramos.
- Oya/Iansã é associada aos ventos.
- Iemanjá se encontra nos oceanos e mares.
- Oxum pode ser encontrada nos rios e cachoeiras.
- Oxóssi é o caçador.
- Ogum é o guerreiro.
- Para Ossaim, que governa as ervas sagradas, as florestas são seu indicativo.
- Para se aproximar de Xangô, o deus do trovão e luz, deve-se ir a uma pedreira, pois é perigoso se aproximar de um deus da luz.
Orixás como Ancestrais Divinizados e o Significado do Axé
No livro “Orixás”, de Pierre Verger, filho adotivo da Bahia e uma autoridade em candomblé, o autor escreve que os orixás são considerados ancestrais divinizados que, quando viveram na Terra, estabeleceram controle sobre forças da natureza, como o trovão e as águas, além de atividades específicas como a caça e o uso das plantas.
Após a morte desse ancestral-orixá, foi permitido que esse poder fosse transmitido momentaneamente a um de seus descendentes ou devoto iniciado durante um estado de transe na cerimônia religiosa. Quando o corpo do devoto é possuído, essa força divina particular, chamada axé, é passada à comunidade (Pierre Verger 1981: 18).
O conceito do axé representa a fé no divino poder do universo, onde os seres humanos recebem força e energia do mundo celestial dos orixás. Na filosofia do candomblé, o axé é definido como o poder de fazer as coisas acontecerem, de invocar e criar luz, formando um caminho de energia positiva.
O Terreiro: Espaço Sagrado
Esse poder é simbolicamente expressado no contexto religioso do terreiro, onde danças cerimoniais, gestos, ritmos, canções, trajes, cores e um código de prática e comportamento criam um vínculo espiritual entre orun (o céu) e aiyé (a terra). A ligação geográfica e histórica entre a rica influência da África e das Américas mostra como os orixás foram recriados sob as condições cruéis de escravidão e intolerância da Igreja Católica.
Os templos de candomblé tornaram-se espaços sagrados onde os orixás encontram refúgio, manifestando a complexidade desse sistema espiritual que respeita profundamente o poder da natureza. A seguir, as descrições de seus símbolos e atitudes, que são as sabedorias populares mais comuns sobre esses orixás (Ligiério 1993 e Omari 1984).
Características dos Orixás
- Exu
Função: Divindade mensageira, responsável pela comunicação entre deuses, ancestrais e humanos. Exu é frequentemente mal interpretado devido à sua associação com o caos, mas ele é essencial para a ordem e o equilíbrio.
Habilidades: Cria calma e caos, equilibrando os seres humanos. É visto como um guardião das encruzilhadas e intercessor nas relações.
Cores: Vermelho e preto.
Saudação: “Laroye”.
- Ogum
Função: Divindade da guerra, ferro e tecnologia. Ogum é muitas vezes invocado por aqueles que buscam força e proteção em tempos difíceis.
Habilidades: Abre caminhos, é o patrono dos ferreiros e guerreiros, garantindo proteção e força nas batalhas.
Cores: Azul e verde.
Saudação: “Ogunhe”.
- Omolu/Obaluaiye
Função: Divindade da varíola e doenças epidêmicas. Sua capacidade de curar doenças o torna uma figura muito respeitada em comunidades que enfrentam epidemias.
Habilidades: Cria doenças ou cura, possui profundo conhecimento sobre as ervas medicinais e a saúde.
Cores: Preto, vermelho ou branco.
Saudação: “Toto”
- Naná Buruku
Função: Divindade da lama e dos pântanos. Naná é vista como a mãe de todos os orixás, simbolizando a vida e a fertilidade.
Habilidades: Protetora dos segredos e responsável pela formação do corpo humano, representa sabedoria e ancestralidade.
Cores: Azul escuro, lilás e branco.
Saudação: “Saluba”.
- Oxumaré
Função: Governa o arco-íris e a serpente. Oxumaré é associado à riqueza e à prosperidade, trazendo abundância para os devotos.
Habilidades: Simboliza movimento e atividade, representa a continuidade da vida e a transformação.
Cores: Amarelo, verde e preto.
Saudação: “Arô Moboi”.
- Oxóssi
Função: Governador da caça e protetor das florestas. Oxóssi é frequentemente retratado como um arqueiro, simbolizando precisão e foco em seus objetivos.
Habilidades: Ajuda caçadores e protege os animais, garantindo a harmonia entre humanos e a natureza.
Cores: Azul claro e verde.
Saudação: “Okê Arô”.
- Xangô
Função: Divindade do trovão, luz, fogo e justiça. Xangô é frequentemente associado a uma balança, simbolizando a busca pela justiça.
Habilidades: Representa realeza e natureza guerreira, promovendo a justiça e a verdade.
Cores: Vermelho e branco.
Saudação: “Kawo Kabiyesile”.
- Logunede
Função: Filho de Oxum com Oxóssi. Logunede é um orixá jovem e dinâmico, associado à beleza e ao amor.
Habilidades: Representa tanto a caça quanto a pesca, simbolizando o equilíbrio entre os dois elementos.
Cores: Azul claro e amarelo.
Saudação: “Logun”.
- Ossaim
Função: Governa a sagrada força das folhas. Ossaim é visto como o guardião do conhecimento herbal e é essencial em rituais de cura.
Habilidades: Conhecedor do poder das plantas, é invocado para proteção e cura por meio das ervas.
Cor: Verde.
Saudação: “Ewe O”.
- Oya/Iansã
Função: Divindade dos ventos e das tempestades. Oya é conhecida por sua coragem e determinação, muitas vezes sendo associada à mudança e transformação.
Habilidades: Poderosa e autoritária, simboliza luta e força, é a protetora das mulheres e das causas justas.
Cores: Vermelho e terra.
Saudação: “Epa Hei Iansã”.
- Oxum
Função: Divindade dos rios e da beleza. Oxum é frequentemente vista como uma mãe amorosa, que cuida de seus filhos e do bem-estar da comunidade.
Habilidades: Representa delicadeza e poder, simboliza a fertilidade e a proteção das crianças.
Cores: Amarelo e dourado.
Saudação: “Ore Yeyé O”.
- Obá
Função: Governadora das lagoas e guerreira. Obá é conhecida por sua determinação e força, frequentemente invocada por aqueles que buscam liderança.
Habilidades: Envolvida em comércio e política, é uma líder forte e respeitada.
Cores: Vermelho e branco.
Saudação: “ObáXireê”.
Curiosidade:
- Iemanjá
Função: Rainha dos oceanos e mãe de todos os orixás. Iemanjá é venerada em muitas culturas, sendo um símbolo universal de maternidade e proteção.
Habilidades: Protege pescadores e garante retornos seguros, simboliza amor e proteção.
Cores: Branco translúcido, azul e verde.
Saudação: “Odê Iyé”.
- Oxalá
Função: Pai de todos os orixás. Oxalá é visto como um símbolo de esperança e espiritualidade, frequentemente associado ao nascimento e à renovação.
Habilidades: Governa a paz e a harmonia, trazendo luz e serenidade.
Cores: Branco.
Saudação: “Axé”.
A Influência Cultural dos Orixás
O mundo dos orixás é imenso e acessível na busca por luz e coragem em nossas vidas. Na cultura popular brasileira, artistas plásticos, dançarinos, músicos e chefs frequentemente encontram inspiração nesse universo. O vocabulário da dança afro-brasileira é baseado nos movimentos, gestos e histórias dos orixás.
A tradição do orixá informa a sociedade sobre espiritualidade, cultura e a descendência africana. Proporciona um sistema para viver em proximidade com os elementos da natureza e do mundo cósmico, ajudando a enfrentar os desafios da vida na Terra. No Brasil e pelas Américas, os orixás tornaram-se símbolos culturais, respeitados por seus poderes sagrados e profunda sabedoria. Axé!
Linda Yudin é etnóloga formada em dança e passou as últimas três décadas pesquisando, apresentando e ensinando a dança afro-brasileira e suas tradições culturais. Ela é co-diretora artística da Viver Brasil Companhia de Dança – www.viverbrasil.com.
Mt bom e ilustrativo este texto.