Por Lucas Paz
A decisão de um(a) cineasta, sendo ele(a) mais ou menos experiente, de fazer um curta- metragem pode envolver vários propósitos e objetivos. Alguns deles vamos falar neste artigo, bem como o que pode resultar de suas produções.
No começo, tudo era curta: aprendendo a contar uma história através da imagem e do som
As primeiras histórias contadas através de um filme foram inicialmente curtas. Foi uma descoberta empírica sobre como uma sucessão de fotos ou quadros de uma ação podia registrar moção e, dependendo de como a “trama” – a sequência de ações ou fatos – fosse organizada, gerar emoção.
Desde a gravação e exibição de fatos diários até a elaboração de uma narrativa audiovisual com início, meio e fim, há um longo caminho histórico que vai de: desenhos em rotação manual, fotos, rolos de filme e, então, arquivos digitais. Do preto e branco a rolos de filme pintados à mão, a tecnicolor, depois a coloração digital. De filmes silenciosos com orquestra ao vivo, à monofonia, a estéreo e, então, ao sistema digital Dolby Surround. De exibições particulares em casas e galerias, a feiras públicas, a cinemas e, hoje, plataformas de streaming. Este ‘work-in-progress’ chamado de sétima arte está em constante desenvolvimento desde os últimos 200 anos.
O modo e o tempo que dedicamos para ver e nos relacionarmos com os filmes mudaram muito, não só pela melhoria das ferramentas utilizadas para gravação ou nos dispositivos de consumo, mas também por circunstâncias econômicas, culturais e políticas de cada era. Os filmes foram criados como um registro de estudo da realidade e dos movimentos por cientistas e artistas e, então, se tornaram uma mídia explorada para servir a imaginação, entretenimento, válvula de escape e também para revelar realidades distantes, como acontecimentos em outros países.
O que é o que? Formatos e Definições
Do francês Etienne Jules Marey, pioneiro da fotografia e da história da cinematografia, com sua arma cronofotográfica, que podia filmar 12 quadros consecutivos. Passando por Louis Aimé Augustin Le Prince, considerado por muitos historiadores o verdadeiro pai dos filmes, que gravou as primeiras imagens em movimento em filme de papel usando uma câmera de lente única.
Passando pelos irmãos Lumiére, tidos como pioneiros do cinema, entre os primeiros a criar uma imagem em movimento, observando o cinetoscópio de Edison e mudando-o para um leve e prático dispositivo, o cinematógrafo, com uma velocidade de 16 quadros por segundo, há uma longa história do cinema explorando ideias criativas exclusivamente através de curtas com artistas únicos como Edwin Porter, Charles Chaplin, Luis Buñuel, George Meliés, Maya Deren e muitos outros, que moldaram nossa noção contemporânea deste meio audiovisual, antes mesmo de pensarmos em desenvolver filme de longa metragem. Alguns curtas históricos famosos incluem: “Life of the american fireman”, “Arrivée d’un train en gare de La Ciotat”, “Un chien andalou”, “Le voyage dan le lune”, “At Land”.
De acordo com a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, um curta é “uma imagem original que tem um tempo de execução de 40 minutos ou menos, incluindo todos os créditos”. Outro termo comum é featurette, originalmente aplicado a um filme mais longo do que um short subject, mas menor que um longa-metragem. O short subject é um termo da indústria que raramente é usado e significa aproximadamente o que diz o nome. Refere-se mais a filmes exibidos como parte de uma apresentação, geralmente antes de um longa metragem. Como parte da era em que vivemos, nós também forjamos o termo “Short Shorts”, produções limitadas de segundos a um máximo de 5 minutos, dependendo de festival para festival, com seu próprio mercado e distribuição especializada.
Ampliando a abordagem da indústria do entretenimento de modo a incluir narrativas para propaganda e música, também podemos entender videoclipes, teasers, trailers, comerciais e campanhas como narrativas curtas bem elaboradas e movidas por emoção em estrutura fragmentada ou cronológica. Na maioria das vezes, produtos criativos eficientes entre multidões maciças em todo o mundo concebido para vender outro produto ou aumentar a conscientização para uma ideia sociopolítica. Muitos diretores relacionados a publicidade e propaganda acabaram se tornando diretores bem sucedidos de cinema e TV por sua profunda compreensão da cultura de massa, negócios, estrutura de plotagem, concisão e ritmo.
Encontre sua voz
Muitas razões podem levar os cineastas a escolher o desenvolvimento de curtas-metragens. De iniciantes a cineastas bem estabelecidos, os curtas-metragens são um ambiente de criação que permite uma vasta experimentação. Entre os diferentes propósitos sobre o porquê filmar um curta metragem, aqui estão alguns:
Cartão de visita: muitos cineastas exploram esta mídia como uma forma de construir um reel, compartilhar seu material, mostrar suas habilidades e estilo na internet, nas feiras e mercados de cinema, para patrocinadores, produtores e investidores, em festivais de cinema.
Pitch: também é comum vender/apresentar uma ideia através de um breve conteúdo audiovisual polido que contenha em si a essência de um filme ou uma série de TV, por exemplo. Desta forma, é comum ouvir sobre “temporada de pilotos”, “elevator pitch” ou “venda de elevador” nas feiras de cinema (que consiste em encontrar uma maneira rápida e eficiente de vender uma ideia em um período de tempo muito curto), ou curtas que se tornam virais na Internet e conseguem um contrato com um grande estúdio para o desenvolvimento.
Esse tipo de abordagem pode resultar em um trailer ou em uma vitrine de uma cena importante a partir de uma proposta de um longa-metragem. Também pode resultar em um piloto apresentando personagens e arco inicial para o desenvolvimento de uma série de TV. Ou ainda, personagens em um contexto diferente, não presente no roteiro mais longo, como forma de vender “o quão bem construídos” eles são e como podem cativar um público mais amplo.
Como exemplo disso, podemos nos referir a Whiplash, de Damien Chazelle, em que o desenvolvimento do longa-metragem foi possível pela venda/apresentação de uma das cenas do filme em formato de curta. Cine Holliúdy, de Halder Gomes, se tornou possível pela venda/apresentação de uma versão curta do filme, intitulada O artista contra o cabra do mal.
Laboratório: muitas vezes, artistas bem estabelecidos encontrarão, ao desenvolver seus próprios curtas, a possibilidade de explorar outros estilos e uma porta para desafiar a criatividade que se desvia de seu trabalho mais tradicionalmente conhecido. Muitos atores como James Franco, Edmilson Filho, Jodie Foster ou Kevin Spacey exploraram outras habilidades como produzir, dirigir, escrever ou mesmo atuar como personagens diversos do que eles estão geralmente acostumados a explorar como linguagem artística em Blockbusters. É uma maneira de reinventar e desafiar, reciclando suas capacidades e descobrindo novos ambientes e possibilidades para sua arte.
Diretores como Michel Gondry, Hugo Prata, David Lynch, Guillermo del Toro continuam a desenvolver conteúdo criativo de forma curta (de 30 segundos a 40 minutos) na publicidade, nos videoclipes e séries de TV. Para o iniciante da escola de cinema, o estudante do ensino médio com uma câmera portátil ou para o artista experiente, os curtas são um ambiente livre de medo, para aprender a dominar as ferramentas, descobrir estilo e comunicar de forma concisa e criativa sua visão do mundo com um maior risco criativo e menor investimento.
Um enredo que se basta em si: uma das melhores conclusões a se chegar sobre contar histórias é que algumas delas são melhores curtas. Como na literatura, às vezes a força de uma história curta ou um conto narrado em uma página pode ser tão poderoso quanto um romance inteiro. Pode conduzir emocionalmente, trazer sentimentos, conclusões e tomada de decisão ou levar um público à mudança de hábito pela reunião inteligente, detalhada e concisa de poucas palavras que iluminam um evento, uma fatia de vida, um fato absurdo ou uma realidade inventada que encanta a multidão, explorando em alguns minutos o que significa ser humano.
É muito claro e comum a uma audiência europeia, por exemplo, apreciar um curta-metragem como uma linguagem artística única e que existe em si mesma, reconhecendo que uma duração menor para um enredo limita em tempo e detalhes até certo ponto, mas permite algumas histórias que, de outra forma, não poderia ser contadas. É uma maneira de lidar com essa forma particular de cinema que vai além da compreensão da mesma como um cartão de visita ou uma venda para uma proposta mais longa.
Sugerimos ler a parte 2 desse artigo no qual discutiremos temas interessantes tais como financiamento de curtas, distribuição, novas plataformas e o ponto de vista de alguns profissionais desta indústria, entre brasileiros e americanos.
* Lucas Paz é um artista multimídia brasileiro de Cinema, Teatro e Artes Visuais. Ele tem bacharelado em direção teatral pela Universidade de SP e MFA em Cinema pela New York Film Academy. Lucas já trabalhou com vários atores/diretores de Hollywood assim como do Brasil. Ele é CEO da (PRE)FORMA-SE Artistic Productions – www.imdb.me/lucaspaz | www.lucas-paz.com
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