Por Lindenberg Junior
Eu me recordo que, no final dos anos 80, nós, brasileiros residentes da Califórnia, tínhamos a opção de poder ir a um carnaval brasileiro em Los Angeles, o “Annual Hollywood Brazilian Carnaval”, produzido pela portuguesa Maria Booker – “Samba & Saudade Productions”. Esta grande festa aconteceu por vários anos no Hollywood Palladium atraindo milhares de pessoas.
Em meados de fevereiro de 1990, e há poucas semanas de completar um ano da minha chegada a L.A, tive a oportunidade de ir a esse emblemático carnaval. Estava saudoso do clima carnavalesco, do samba, da batucada, da alegria, e também muito curioso a respeito da festa. Para minha surpresa, encontrei o local lotado, com mais de 2 mil pessoas entre americanos, latinos, europeus e brasileiros.
No palco, pude ver vários músicos brasileiros, uma bateria com pelo menos umas quinze pessoas que traziam a alegria de uma boa batucada e, claro, dançarinas de biquínis, plumas e paetês dançando ao ritmo de samba.
Uma dessas sambistas me chamou a atenção. Era uma morena de cabelos pretos ondulados que sambava muito bem. Era a passista paulista Marisa Alyrio, que marcou época principalmente nos anos 80 e 90. Ela chegou em Los Angeles no ano de 1983 e ainda muito jovem, depois de alguns anos no Rio onde fez parte do grupo de samba de Adriano Lobato.
A exímia dançarina de “samba no pé” e coreógrafa em seus primeiros anos de Califórnia teve a oportunidade de conhecer Lázaro e Floriano, fundadores do Embrassamba, a primeira banda brasileira de Los Angeles, e de fazer parte do grupo como dançarina. Pode-se dizer que ela foi a primeira autêntica passista de samba de L.A e, nos anos posteriores, uma referência do Brazilian Carnaval de Hollywood do Palladium.
Foram dezoito anos dançando no famoso carnaval onde dividiu palco com celebridades brasileiras como o baiano Armandinho, Emílio Santiago, Martinho da Vila, entre outros. Em 1992, ela recebeu o título de “Samba Queen” da Mila (Mocidade Independente de Los Angeles), a primeira Escola de Samba Recreativa do Sul da Califórnia, fundada pelo ex-jogador de futebol Luisinho.
Também nos anos 80, exatamente em 1986, chegava em Los Angeles a dançarina e também paulista, Christiane Calill, depois de ter conhecido o futuro marido no México, enquanto fazia uma temporada dançando no Club Med. Logo em seus primeiros anos ela conseguiu uma bolsa de estudos no estúdio de dança do famoso coreógrafo Joe Tremaine, fez alguns bons amigos e correu atrás de audições para conseguir trabalhos no meio da dança. Seu primeiro trabalho foi justamente em um Oscar e, em seguida, teve a oportunidade de fazer parte dos filmes sobre dança “Salsa” e “The Mambo Kings”.
Christine conseguiu um agente e os trabalhos como dançarina começaram a fluir naturalmente. Até que, em 1994, ano de Copa do Mundo nos EUA, ela foi a um clube em Beverly Hills que tinha shows ao vivo e veio uma ideia. Por que não oferecer um show de samba? O dono, Mark Fleishman, que também era dono do Studio 54 de Nova York, gostou da ideia.
A criativa paulista não perdeu tempo: montou um show com dançarinas e músicos e assim surgiu o grupo “The Girls from Ipanema”. O primeiro do gênero em L.A, mais ao estilo Vegas, no qual ela era a estrela principal dançando e cantando em português e em inglês. “Eu tinha brasileiras lindas e um ótimo conceito. Foi um sucesso absoluto e em Beverly Hills!”, revelou Christine à Soul Brasil.
A partir daí mais portas se abriram. Ela chegou a viajar para fora dos EUA e participar de shows com Aretha Franklin e Dionne Warwick, além de se apresentar com seu grupo em locais famosos como o Hollywood Bowl e o House of the Blues. Em 1995, o Los Angeles Times fez um artigo de cinco páginas sobre ela e seu grupo.
Os trabalhos e shows não paravam e o “The Girls from Ipanema” em pleno auge! O Brasil tinha ganhado a Copa de 94 e, definitivamente, o samba, a batucada e a alegria brasileira passaram a ser mais conhecidos na Califórnia, e em particular em Los Angeles – onde foi a final da Copa.
Já a carioca Valeria Trindade desembarcou em Nova York no ano de 1987, passou um tempo no Kentucky, e chegou na Califórnia em 1993. Uma longa jornada de babá em Nova York até se graduar no High School e Nursing Assistant no Kentucky até conseguir um diploma em Business Management na Califórnia.
Mas foi em 1998, no desfile da Escola de Samba Sambalá, no Brazilian Carnaval de Long Beach, que ela entrou para o mundo do samba. “Meu amigo Iran Lima me levou para assistir ao desfile e eles precisavam de alguém para desfilar de último minuto. Eu terminei dançando com ele e o Iraguaçu. Adorei, me envolvi e minha vida mudou naquele momento”, afirmou Valeria.
Ela foi passista, 2ª Princesa da Bateria e 1ª Princesa até chegar à Rainha da Bateria. Foi Madrinha de Bateria e, posteriormente, instrutora e coreógrafa de samba. Muitas americanas e latinas fizeram aulas de como sambar com Valeria “Rio Bela” durante os últimos anos.
Poucos anos atrás, os fundadores do Sambalá, o casal David e Doris, se mudaram para a Flórida e hoje em dia a organização tem presença na costa leste e também na costa oeste dos EUA. A “filial” da Califórnia tem Valeria como presidente. “São mais de vinte anos e tive várias experiências. Mas a melhor foi a de poder fazer muitos amigos e compartilhar nossa bela cultura com muitos americanos, incluindo meus dois filhos!”, adicionou Valeria.
Glaucia Araújo, também carioca, chegou em L.A em 1988 e fez parte do grupo “The Girls from Ipanema”. Além de dançarina, ela trabalhou como modelo e fez várias aparições em comerciais, programas de TV e filmes como “Family Law”, “Gilmore Girls” e “Austin Powers: Goldmember”. Mas foi fazendo uma dupla com outra carioca, a Daniela Brazil, com o OYA Brasil Samba Show que registrou sua marca na história das sambistas do Sul da Califórnia. “Algo que lembro com muito carinho foram as apresentações junto com a banda Badauê, que fez o maior sucesso por aqui! O repertório e versatilidade da banda me ajudaram a evoluir como dançarina”, revelou Glaucia.
Daniela Brazil desembarcou em L.A no ano 2000. A carioca chegou ainda muito nova e afirmou “eu acreditava no American Dream e cheguei em Los Angeles para alcançar objetivos e conquistar meu próprio espaço. A cidade e o momento eram perfeitos para meu desenvolvimento profissional como dançarina”. Daniela, que desde 1997 já dançava como profissional desfilando até pela escola de samba Portela, investiu no trabalho da dança, o que a deixou motivada para seguir com seus sonhos. O samba sempre fez parte da vida dessa carioca, e tenho certeza que muitos brazucas que viveram pela Califórnia entre 2000 e 2010 tem boas lembranças da dupla do OYA Brazil.
A também carioca Kátia Neves chegou em Los Angeles em 1995 com o esposo e a filha depois de morar por oito anos no Japão onde já fazia apresentações como dançarina profissional desde 1987. Uma de suas primeiras amigas foi Ana Laidley – ou Aninha Malandro – uma sambista nata que cresceu com o samba da Mangueira e é a cofundadora do International Samba Congress.
“Nos encontramos em um restaurante de West L.A chamado Lulu’s Alibi e foi amor à primeira vista (risos). Ela que me apresentou a uma galera do samba e através dela consegui meu primeiro trabalho para dançar como sambista lá no inesquecível Zabumba”, revelou Kátia. De lá para cá ela dançou em muitos lugares e com grupos diferentes. “Eu ainda danço esporadicamente, mas sou cosmetóloga licenciada. A área de beleza me fascina”, afirmou.
Todas essas dançarinas de samba ajudaram a disseminar a cultura do Brasil e, em particular, a do samba, na Califórnia. Elas, assim como Jônia Queen, que chegou no ano 2000 e foi capa da edição 100, e outras que chegaram há vários anos atrás no estado dourado, fazem parte de uma geração que semeou a terra para o florescer de dezenas de sambistas que hoje em dia fazem shows para gringo ver e aplaudir!
* Esse artigo foi o tema de capa que celebrou a edição especial 100 da Soul Brasil nos primeiros meses de 2019 e pouco antes do Covid-19 chegar.
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