Por Lael Arruda
Iniciar uma caminhada é um ato de coragem, renovado a cada novo dia em que se decide continuar caminhando. Certamente o jovem ator José Pereira de Abreu Júnior, aos 21 anos de idade, não imaginava as cenas que a vida lhe reservaria a partir do momento em que começou a viagem pela dramaturgia, em 1967, com a peça “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto e Chico Buarque, no Teatro da Universidade Católica, em São Paulo.
O ilustre desconhecido, nascido em Santa Rita do Passa Quatro, no interior do estado, faria história. Ele emocionaria milhões de pessoas, arrancaria gargalhadas e também faria com que esses milhões derramassem lágrimas. Ele teria a admiração de incontáveis corações, e se tornaria referência para os que buscam viver a arte em sua essência. Ele se transformaria em uma importante e atuante peça da cultura de um país. Ele só não sabia de tudo isso ainda. Mas, certamente, ele tinha o que a vida nos exige diariamente para que possamos cumprir nossas missões: coragem.
Coragem para ser quem se é, para defender suas ideologias, para fazer arte num país com histórico em marginalizar a classe artística. Coragem para se expor, para saber que a busca pelo acerto também pode resultar em erros. Coragem para enfrentar medos e a perda mais dolorosa que um pai pode passar. Coragem para se reinventar e seguir evoluindo a cada dia de vida, consciente da dignidade que há em toda essa busca.
Nesse caminhar o José de Abreu foi criando intimidade com o povo brasileiro. E, em meio a toda exposição, também seria inevitável que surgissem pessoas que dizem não gostar dele, talvez por discordância de seu ativismo político. Isso é democrático. Mas é bem provável que essas mesmas pessoas tenham passado um ano inteiro imitando a risada sombria do Nilo, de Avenida Brasil (TV Globo), só para citar um exemplo. Uma admiração natural, espontânea. É que o Zé é cativante, e faz parecer fácil a missão de dar vida a personagens que, entre barbas curtas e longas, tornam-se consagrados pela crítica e pelo público.
A contribuição para o cinema nacional não é só volumosa, por suas dezenas de personagens desde o fim da década de 1960, ela é grandiosa também, por toda excelência e cuidado na construção dos trabalhos. Se cada um deles merece elogios, destaco o mais recente, o que traz a bagagem de 50 anos de carreira: Polidoro. O juiz aposentado do filme “Antes Que Eu Me Esqueça”, do diretor Tiago Arakilian, é frágil e vive o drama de ter deixado relações familiares fracassarem ao longo da vida. Um primor de atuação. Um combo para arrancar as risadas e as lágrimas como só o Zé de Abreu sabe fazer.
O Polidoro será visto em Hollywood, durante abertura do Los Angeles Brazilian Film Festival, considerado um dos mais importantes festivais de cinema brasileiro no exterior. José de Abreu será homenageado no evento por toda sua contribuição ao cinema nacional. Dia de festejar como uma final de campeonato com o Flamengo, seu time do coração, se consagrando campeão. Dia de agradecer ao José Pereira de Abreu Júnior por ter tido coragem de ser o Zé de Abreu e nos presenteado inúmeras vezes nos últimos 50 anos.
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