Por Camila Pagliuca
Saí da aula sem pisar no chão, com a sensação de que não precisava fazer mais nada naquele dia. Até a vontade de velejar estava satisfeita. Bebi uma garrafa de água bem devagar, olhando os carros passando com pranchas, cachorros e gente dentro. Demorou um pouquinho para ter vontade de fazer alguma coisa…
Isso aconteceu em Maui. Para onde tive a oportunidade de ir duas vezes. A primeira em maio de 2002 e, novamente, em março de 2003. Meu interesse principal era velejar. Para qualquer windsurfista Maui é um paraíso. É também uma ilha encantadora, com muitas opções para quem quer praticar yoga, e boas escolas nas principais linhas de Hatha Yoga.Saí da aula sem pisar no chão, com a sensação de que não precisava fazer mais nada naquele dia. Até a vontade de velejar estava satisfeita. Bebi uma garrafa de água bem devagar, olhando os carros passando com pranchas, cachorros e gente dentro. Demorou um pouquinho para ter vontade de fazer alguma coisa.
Fui para o North Shore por causa do windsurf, mas tudo se encaixou muito bem, pois parece que os melhores professores de Ashtanga também haviam escolhido aquela parte da ilha para dar aulas – creio que pelo seu clima mais tranqüilo. Senti-me muito bem nas cidadezinhas sem shopping centers e apenas com algumas lojinhas e cafés com muitas opções para vegetarianos. Desde as décadas de 60 e 70, Maui, e em especial, o North Shore, virou de certa forma, um refúgio para as pessoas que buscavam uma forma de vida mais conectada à Natureza e ao espírito de paz e amor da época do Woodstock.
Em 2002, eu estava aprendendo a primeira série do Ashtanga, ainda naquela fase de esquecer um asana aqui e outro ali. Conhecia uma amiga brasileira, a Patrícia Gentil, que morava lá e praticava essa linha de yoga. Foi ela quem me apresentou as escolas de yoga onde fiz minhas primeiras práticas em Maui. A viagem desde o Brasil é longuíssima, mas a chegada é sempre maravilhosa. Com o clima úmido, média de 28 a 30 graus, e uma chuvinha esporádica, é parecido com o Nordeste Brasileiro: um lugar maravilhoso para quem gosta de velejar, surfar ou curtir a praia.
Minha primeira prática foi no Maui Yogashala na cidade “faroeste” de Paia no North Shore. Esta escola está bem ao estilo comercial, com aulas em todos os horários, vários professores e modalidades, e uma lojinha bem sortida. Fiz algumas aulas com Nadia, a proprietária, que desenvolveu um Maui Yoga (mais uma adaptação do Ashtanga).
O lugar é bem animado e no final de uma das aulas fiquei sabendo que tinha feito a prática entre Laird Hamilton e Dave Kalama, surfistas pioneiros na modalidade tow-in. A Nadia teve um trabalhão para ajustar todos aqueles músculos. Lembro-me quando fiz a série completa com a Nadia pela primeira vez: foram mais de duas horas e meia de prática, já que as permanências eram longas. Ela adorava deixar a gente respirando um bocado nos marichasanas, pois dizia que nos workshops do Pattabhi Jois, mestre de yoga, fundador do Ashtanga Yoga Research Institute (AYRI) em Mysore, na Índia, ele fazia isto também. Foi daqui que saí sem pisar no chão. Plena.
Patrícia sempre me falava com carinho da sua professora Helena, que tinha acompanhado suas duas últimas gestações e lhe havia ensinado muito. Então, numa manhã bem havaiana, com sol, mar azul e ainda sem aquele vento todo, fomos para casa da Helena. Era uma casa pequena. Ela afastava os móveis da sala e nós nos arrumávamos bem pertinho uma das outras, esticando o tapetinho sobre um piso de palha bem cheiroso. Deixávamos o pagamento da aula em cima do balcão da cozinha.
Helena dava uma aula de Ashtanga com muita atenção, dava para sentir que ela te observava nos asanas, na respiração. Ela era carinhosa e feliz com nossas pequenas conquistas. Fiz uma aula com Helena com uma primeira série modificada, onde nos asanas sentados ela ensinou uma seqüência de posturas para abertura pélvica. Esta ficou na minha memória para “usar sempre que precisar”.
Mas, para mim, o que marcou mais do yoga em Maui foi a aula que fiz com Nancy Glifford. Foi uma experiência incrível! Muita gente já havia me falado do “Fresh Tomatoes”. O lugar fica em Haiku, uma cidade bem mais rural, com um clima mais úmido e bem verde. Fica no caminho para Hana, área da ilha ainda com florestas preservadas. Para chegar até lá, subimos um pouco, nos afastando do mar em direção ao vulcão Haleakala que nos olhava lá de cima. Depois de várias curvas, lá estava a placa “Fresh Tomatoes”.
Fomos chegando meio tímidas, era a primeira vez também da Patrícia. Assim que entrei no salão, senti calor. Nancy nos cumprimentou e perguntou se sabíamos o que estávamos fazendo ali. Mudas, fizemos com a cabeça que sim. Prestei atenção às fotos dos asanas mais escabrosos em que eu tinha visto um ser humano, e dava para notar que tinham sido feitos ali, naquela sala. Ficamos próximas da porta e eu nem olhava para o outro lado da sala, pensando na prática que iria já começar.
Muito tempo depois, fui entender porque a Nancy perguntou se sabíamos o que estávamos fazendo ali. Era por que aquele era o dia em que “she doesn´t speak” (como um amigo e aluno da Nancy se referia ao Estilo Mysore). Então, a aula começou, e ela não falou nada mesmo. Recebi uns poucos ajustes verbais feitos por uma outra professora que a auxiliava, e esta foi, com certeza, a minha melhor prática em Maui. No final da aula, ela perguntou quem eram os meus professores, e eu falei do Cristiano e da Jimena (Fortaleza, Brasil), que ela não conhecia, mas disse que estavam me ensinando direitinho. Tomei coragem e disse que achava que o meu mula bandha não estava muito legal. Ela me deixou concluir e falou para não me preocupar, porque com mais uns dez anos de prática, o meu mula bandha iria melhorar.
Maui é um lugar maravilhoso, onde a força da Natureza se manifesta de forma contundente, sem rodeios, seja através do vento, das ondas ou do fogo que criou aquilo tudo. Um lugar no mínimo inspirador para praticar yoga, tanto que foi escolhido por vários professores veteranos de Ashtanga para viver e trabalhar. Foi, durante muitos anos, um dos lugares onde Pattabhi Jois ministrava seus cursos fora de Mysore (Nancy era quem os organizava). Aquele cantinho verde de Maui mora no meu coração… Sempre voltarei quando tiver um tempinho sobrando e puder conciliar aquela vida simples com o kite surf, surf, windsurf e, claro, yoga! Aloha (quase Shanti, quase Namaste)!
* Camila Pagliuca é uma ex-campeã brasileira de windsurf e professora de ioga de Fortaleza, Brasil. Amante de viagens, ela viaja frequentemente para o Havaí para praticar windsurf e ioga.
** Nossos agradecimentos a Cathia Karin Heuser e Maurício Wolf do YogaMala que contribuíram para este artigo – publicado inicialmente em uma de nossas edições impressas de 2002. Nossa parceria ajuda a disseminar o yoga e sua filosofia para muitas pessoas que podem ler este artigo em inglês e português .
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