Por Kátia Moraes
Uma das coisas mais difíceis para o americano é ter que aceitar que as coisas em português (e em outras línguas) são femininas ou masculinas. O sol, a lua, o corpo, a alma, etc. Pra mim, música é feminina. Portanto, nada mais natural do que me sentir em casa toda vez que vou a um show ou escuto um CD.
Um exemplo de feminilidade é a Rosa Passos, uma baiana que está sendo considerada “um João Gilberto de saia”, que se apresentou no Conga Room em Los Angeles, promovendo o seu novo lançamento “Amorosa” pela Sony Classical. “Amorosa” é uma homenagem ao CD “Amoroso” de João Gilberto de 1977. Acompanhada por Hélio Alves no piano, Paulinho Braga na bateria, Paulo Paulelli no baixo acústico e Rodrigo Ursaia na flauta e sax, Rosa cantou, encantou e arrasou. Sua voz de veludo é quase sempre acompanhada pelo seu violão mágico que brinca com a harmonia da bossa nova ou suas próprias composições.
A primeira vez que vi o show dela foi no Hollywood Bowl há alguns anos atrás. Infelizmente, a velha aparelhagem de som da época não ajudou e sua voz ficou longe, como saída de um radinho de pilha. Rosa se sobressai pela sua sofisticação e delicadeza, não só na escolha do repertório, mas também na maneira que interpreta. “O Lobo Bobo”, uma bossa nova engraçada das antigas, me chamou atenção por estar sendo tocada bem devagar e pelo astral melancólico criado pelo novo arranjo.
Pra mim a feminilidade de Bebel Gilberto tem a ver com a confiança dela na intuição. Don Heckman do Los Angeles Times a chamou de “diva da nova geração”, e isto me fez pensar nas mulheres mais jovens ou da mesma geração que ela, como a Marisa Monte e a Daniela Mercury, que ao me ver têm mais maturidade musical que a Bebel e também merecem este mesmo título. Mas nem só de maturidade musical vive o mercado. Bebel achou um ideia que une os mundos importantes.
A maravilhosa bagagem musical da sua família (João Gilberto, Miúcha e Chico Buarque) e a onda eletrônica. Antes dessa onda, ela passou muitos anos cantando música popular brasileira e tentando encontrar um lugar ao sol na paisagem musical do Brasil. Me lembro de um de seus shows que assisti no Morro da Urca nos anos oitenta, quando as gravadoras começaram a empurrar o rock nacional. Aquela não era a hora. Mas agora é bem diferente.
E o que o Oscar Castro-Neves está fazendo no meio dessas mulheres? É que ele é o guitarrista, compositor, arranjador e produtor mais feminino que eu conheço. Tive a oportunidade de ver o show dessa criança de sessenta e quatro anos junto com o seu velho amigo Toots Thieleman há alguns anos atrás. Foi super. GoMedia me mandou o novo CD chamado “Playful Heart”.
Seu romantismo (característica super feminina) é patente no repertório que escolheu pra gravar. “My Foolish Heart” e Twenty Years Love Affair”, são dois exemplos disso. Oscar e Rosa conhecem muito bem o quintal aonde brincam alegremente de mudar os arranjos das músicas. Eles são uma das pérolas da música brasileira. E pérola é uma palavra feminina.
Axé à alma feminina!
* Kátia Moraes é cantora, compositora e artista carioca que vive em Los Angeles desde 1990. Ela é colaboradora de longa data da revista Soul Brasil – www.katiamoraes.com
** O cantor, instrumentista, arranjador, compositor, produtor musical e diretor musical brasileiro Oscar Castro-Neves viveu em Los Angeles por muitos anos. Oscar faleceu em 2017 e, como Antônio Carlos Jobim e João Gilberto, é uma das figuras que ajudaram a estabelecer o movimento da Bossa Nova no mercado internacional, especialmente nos EUA.
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