Um estudo realizado pela Universidade de Georgetown, liberado na segunda semana de maio (2022), revelou que a Agência Federal de Imigração dos EUA administra secretamente um enorme sistema de vigilância digital que permite o acesso a quase todas as pessoas nos Estados Unidos e à maioria dos imigrantes indocumentados.
Os pesquisadores observaram que o Immigration and Customs Enforcement (ICE), uma agência do Departamento de Segurança Interna (DHS), não apenas vem desenvolvendo sua própria capacidade de usar a vigilância para realizar deportações, “mas também desempenhou um papel fundamental de maior esforço do governo federal para acumular o máximo de informações possível sobre toda a nossa vida”.
A investigação durou dois anos, foi conduzida por especialistas do Centro de Privacidade e Tecnologia da Universidade de Georgetown e inclui centenas de solicitações da Lei de Liberdade de Informação (FOIA) e uma revisão abrangente dos registros de aquisição e contratação do ICE.
Criado em 2003, como parte das mudanças em resposta aos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, o ICE tem acesso a registros digitais de governos estaduais e locais, bem como a capacidade de adquirir bancos de dados de empresas privadas. “O ICE criou uma infraestrutura de vigilância que permite obter arquivos detalhados de quase qualquer pessoa, aparentemente a qualquer momento”, afirma o relatório.
Entre as preocupações, os pesquisadores observam que “em seus esforços para prender e deportar, o ICE, sem qualquer supervisão judicial, legislativa ou pública, acessou conjuntos de dados contendo informações pessoais sobre a grande maioria das pessoas que vivem nos Estados Unidos. Os registros podem acabar nas mãos das autoridades de imigração simplesmente porque solicitam carteiras de motorista ou registros de serviços públicos locais para obter acesso a aquecimento, água e eletricidade”.
O relatório inclui ainda que “o ICE construiu seu sistema de vigilância em linhas legais e éticas, aproveitando a confiança que as pessoas depositam em agências estatais e prestadores de serviços essenciais e explorando a vulnerabilidade de pessoas que oferecem suas informações voluntariamente”. Apesar das implicações flagrantes de direitos civis das práticas de vigilância do ICE, “a agência conseguiu ocultar essas práticas em sigilo quase total, evitando a aplicação de até um punhado de leis e políticas que poderiam ser invocadas para impor limitações”, ainda diz o relatório.
O ICE usou a tecnologia de reconhecimento facial para pesquisar as fotos da carteira de motorista de cerca de 1 em cada 3 (32%) de todos os adultos nos Estados Unidos. A agência tem acesso aos dados da carteira de motorista de 3 em cada 4 (74%) adultos e rastreia os movimentos de carros nas cidades onde vivem cerca de 3 em cada 4 (70%) adultos. Quando 3 em cada 4 (74%) adultos nos EUA ligaram gás, eletricidade, telefone ou internet em uma nova residência, o ICE conseguiu associar automaticamente seu novo endereço. Quase tudo isso foi feito sem mandado e em segredo, enfatiza o relatório.
Cada vez mais agressivo
O ICE construiu sua rede de vigilância aproveitando dados de agências de governos estaduais e locais, além de empresas privadas. A agência federal usa fluxos de informações que são muito mais amplos e atualizados com muito mais frequência, incluindo registros do Departamento de Veículos Motorizados (DMV) e informações de clientes de serviços públicos e, mais recentemente, registros de geolocalização e habitação, além de postagens de redes sociais.
“O acesso a esses novos conjuntos de dados, combinado com o poder das ferramentas algorítmicas para classificar, comparar, pesquisar e analisar expandiu drasticamente o escopo e a regularidade da vigilância do ICE”, denuncia o relatório.
Investimento de milhões
Segundo o relatório da Universidade de Georgetown, a agência investiu “bastante em vigilância e adquiriu tecnologia avançada muito mais cedo do que as pessoas imaginam”. Uma análise de mais de 100.000 transações de gastos do ICE revela que “a agência gastou aproximadamente US$ 2,8 bilhões entre 2008 e 2021 em novas iniciativas de vigilância, coleta de dados e compartilhamento”.
O relatório ainda diz que o ICE estava desenvolvendo recursos avançados de vigilância aproximadamente meia década antes do que se sabia anteriormente. “Até agora, os primeiros registros obtidos pelo Center for Privacy and Technology sugeriram que o ICE começou a solicitar e usar pesquisas de reconhecimento facial em conjuntos de dados estaduais e locais em 2013. No entanto, nossa investigação descobriu um contrato de 2008 entre o ICE e o contratante biométrico L- 1 Soluções de Identidade”, revelaram os pesquisadores do estudo.
Por fim, segundo essa pesquisa da Universidade de Georgetown – que veio à tona na segunda semana de maio de 2022 – o ICE evitou a supervisão do Congresso federal e estadual, contorna as leis estaduais e os esforços dos legisladores para controlar suas capacidades de vigilância.
* Esse artigo tem a consultoria e o patrocínio da advogada brasileira Flávia Santos Lloyd, que atua no Sul da Califórnia há vários anos e é especialista em leis de Imigração dos Estados Unidos – www.santoslloydlaw.com
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