É seu aniversário. Você acorda, e a primeira coisa que faz é ligar o celular para ver as felicitações. Seu melhor amigo lhe envia apenas um link e a mensagem “Parabéns”. O endereço leva diretamente a um vídeo onde o ator de um personagem secundário da sua série preferida na adolescência lhe deseja feliz aniversário e diz como você é alguém especial, de forma tão pessoal e íntima quanto seus amigos fariam.
A primeira reação, provavelmente, é se perguntar qual nova magia tecnológica foi usada para fazer uma edição de vídeo tão primorosa. Contudo, a resposta está no mais velho recurso de realização de sonhos que o mundo conhece: dinheiro. É exatamente assim que funciona o Cameo, aplicativo onde subcelebridades mais ou menos conhecidas se disponibilizam para gravar mensagens personalizadas por uma quantia previamente estipulada.
Quais celebridades estão no Cameo?
A plataforma agora tem cerca de 40 mil talentos em sua lista, com ofertas para todos os nichos culturais. Assim, é fascinante e ligeiramente viciante passear pelos corredores virtuais do Cameo, pesando as opções e reconhecendo personalidades que você nem imaginaria estarem ali. Para o velho millennial amante de fofocas, você pode contratar Perez Hilton, o blogueiro que se tornou famoso no início dos anos 2.000 por postar fotos grosseiramente rabiscadas de paparazzi de celebridades.
Para o jovem adulto fã de seriados, você pode chamar Michael Rosenbaum, o Lex Luthor de Smallville (ou alguém do infinito elenco do Disney Channel no início da década passada). Ainda, você pode escolher o perfil mais caro da plataforma, a estrela do reality show “Keeping Up with the Kardashians”, Caitlyn Jenner, por 2.500 dólares. Acalme-se, são poucos os perfis que cobram preços de mais de três cifras para um vídeo (inclusive, há uma categoria apenas para os que cobram menos de US$100).
De certa forma, o Cameo é apenas um contraponto um pouco mais glamouroso às plataformas gigantescas como o Uber, que contrata motoristas a taxas flutuantes, sem benefícios (o Cameo fica com 25% dos ganhos de um artista). O suposto benefício deste sistema é que os contratados podem determinar a relação com o trabalho, embora isso funcione claramente melhor quando não se é dependente da plataforma como fonte principal de renda.
Qual o diferencial do Cameo?
Para Ben Sinclair, co-criador e estrela de “High Maintenance”, da HBO, o Cameo foi uma bênção. Em abril de 2019, ele escolheu sair do Instagram – em parte porque se sentiu psicologicamente muito dependente da validação dos fãs, em parte porque estava cansado de criar conteúdo de graça e em parte porque alguns fãs eram exigentes. Um seguidor chegou a bombardeá-lo com mensagens diretas de uma variedade de contas, que culminou em uma ameaça de suicídio, da qual Sinclair acalmou o homem, antes de relatar o incidente ao Instagram e, algumas semanas depois, deletar a própria conta. “Eu não queria que esse tipo de coisa acontecesse de novo”, disse ele ao The New Yorker. O Cameo tornou mais fácil para Ben controlar o relacionamento com os seguidores.
Ainda assim, o aplicativo tem o potencial de confundir os limites entre artista e fã. No final de 2019, o Cameo recebeu uma enxurrada de atenção da mídia quando uma usuária pediu a Mark McGrath, líder da banda Sugar Ray, que terminasse com o namorado por ela. O pedido, no fim das contas, tinha sido uma brincadeira, mas a potencial responsabilidade que uma celebridade assume quando concorda em participar da vida de estranhos permanece.
Essa proposta atraiu algumas celebridades do mainstream para o Cameo, como o ícone do hip-hop Snoop Dogg (750 dólares por vídeo), Sarah Jessica Parker e Mandy Moore. Antes, era incomum para um famoso se colocar à disposição dos fãs diretamente nos tempos livres. Mas, na existência digitalizada e online de hoje, até mesmo personalidades olimpianas, como Jennifer Aniston e J. Lo, nos levam aos bastidores de suas vidas pessoais, postando no Instagram ou TikTok.
O CEO da plataforma, Steven Galanis, declara que o Cameo oferece um maior senso de mutualidade do que outras redes: “Quando você comenta no Instagram ou Twitter de uma celebridade, não é correspondido. Com o Cameo, é sobre troca de amor”, diz.
Galanis, de 32 anos, mora em Chicago, o local da sede da Cameo. A empresa, que em 2020 chegou a ter aproximadamente 130 funcionários, foi fundada por ele, então executivo do LinkedIn, Devon Townsend, um antigo influenciador do Vine, e Martin Blencowe, um agente da NFL, em 2017. Galanis era um organizador de festas na faculdade em Duke, e inicialmente selecionou talentos do círculo social dos outros fundadores e dele mesmo. “Muitos de nossos amigos estavam no esporte e no entretenimento”, conta. Estas celebridades, no entanto, estavam longe do topo. “As pessoas que conhecíamos não eram realmente famosas. Eram, tipo, quarterbacks reserva do Baltimore Ravens”.
Apenas algumas semanas após o início da pandemia, o CEO da Cameo já especulava que permanência de todos em casa afetaria positivamente o crescimento da empresa. “Há muitos talentos que queriam trabalhar conosco, mas não tinham tempo”, revela Galanis. “Agora eles estão em casa. E, também, não há Comic Con, nem shows, nem meet and greets”, prossegue. Até meados de maio de 2020, os negócios haviam subido 1000%, e muitas outras celebridades se inscreveram: novidades populares incluem Mike Tyson e Busy Philipps.
A pandemia, em certo sentido, apenas acelerou um processo que já estava em andamento. Em aplicativos como Instagram e Twitter, celebridades sempre atuaram como trabalhadoras em uma economia atomizada e precária, trocando pepitas de amor e atenção aparentes por dinheiro. Essa troca, porém, é tortuosa. Você pode transmitir o novo single de uma artista que posta uma foto na praia ou comprar o moletom que ela usa, mas o uso destas redes sociais continua livre, então nosso senso de “influência de celebridade” paira vagamente, evitando o monetário e destacando o social.
O Cameo acaba com a ilusão: o conteúdo de celebridades é sempre um produto. Essa percepção é deprimente, mas também um tanto verdadeira. No Cameo, os performers podem ser diretos sobre o fato de estarem trocando atenção por dinheiro, o que os livra da falsa autenticidade de influenciador do Instagram; os usuários não precisam se preocupar com a existência de patrocínio corporativo sutil enterrado nas selfies. A natureza transacional é exposta, e os vídeos variam entre o pagamento esclarecido a reação surpreendentemente verdadeira.
Com eventos presenciais cancelados, as pessoas estão cada vez mais realizando aniversários, formaturas e rompimentos com mensagens de subcelebridades. Em março (2020*), por exemplo, a estreia do primeiro filme da diretora Lynn Chen, “I Will Make You Mine”, foi cancelada devido à pandemia. O marido de Chen, Abe Foreman-Greenwald, editou vídeos dos amigos da esposa para simular um evento no tapete vermelho e comprou um cameo da atriz Wai Ching Ho, que, anos antes, havia trabalhado com Chen em um episódio de “Lei e Ordem”. Ainda no mesmo mês, Jess Garman, uma bibliotecária que mora em San Francisco, perdeu a avó, que ia para uma casa de repouso, para a Covid-19. No aniversário de Jess, algumas semanas depois, seus amigos deram a ela um Cameo da cantora dos anos 90 Lisa Loeb. “Ela mencionou minha avó e a morte dela, e até a chamou de ‘Nanna’”, narra a moça. “Então, Lisa cantou para mim.”
Não demorou muitos meses para que, ainda em 2020, o Brasil se integrasse à dinâmica do Cameo. O Okanal é um aplicativo brasileiro, e conta com um catálogo em crescimento de celebridades e influencers nacionais. Assim como o Cameo, o Okanal também foi criado há bastante tempo (o app brasileiro existe desde 2019), mas só ganhou popularidade real durante a pandemia.
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