Por Kátia Moraes
O crachá tá pendurado no casaco como pediram. São nove da manhã e o primeiro intervalo do Jury Duty (como se diz aqui nos EUA) começou. Realmente o melhor lugar é aqui fora no sol. A cafeteria fica aqui do lado e uns gatos pingados estão sentados em algumas mesas tomando café e checando seus emails. Vi alguém dando uma olhada na cédula de ensaio da próxima eleição. Devia ter trazido a minha também também. Tem muita coisa pra ler e pensar.
Mas o itens mais importantes que joguei na bolsa antes de sair foram um livro do Tom Robbins, um caderninho de anotações, uma garrafa de vidro cheia de água (será que o segurança vai me deixar ficar com ela depois que passar no Raio X?), um pedaço de banana, uma tangerina e metade de um sanduíche de queijo com ovo cozido. Ainda bem que só comi a metade e que tinha chá de menta `a venda na cafeteria.
E que bom que o sol saiu depois da chuvarada de ontem. Sentar do lado de for a é tão melhor. E eles avisam tudo pelos alto falantes. Sento num dos bancos de metal com a brisa fresca do inverno californiano no meu rosto. Corpo e alma se refrescam. Tem uma moça subindo e descendo um degrau de concreto como exercício matinal, grupos de duas pessoas no máximo caminhando no jardim e uns jacarés como eu alongando o esqueleto.
Participar do Jury Duty requer paciência
Esperar, esperar. Umas cem pessoas esperando serem chamadas para serem jurado. Por um dia ou mais tempo. A maioria não quer. Podem perder um dia ou mais de trabalho. A maioria está de olho no celular, alguns trouxeram o laptop e poucos seguram um livro. Eu incluída. Depois de umas duas histórias começo a escrever. Enquanto escrevo me dá sono. O morninho do astro rei me dá vontade de tirar uma soneca deitada nesse banco. Volto pra cafeteria, boto mais água quente no copinho e sento numa mesa do lado da janela. Ô mesa boa. Pelo janelão de vidro vejo o gramado verdinho verdinho. Se chovesse mais na California esse estado teria outro nome e talvez Hollywood não fosse aqui.
Esta deve ser a terceira vez que visito o Tribunal do Condado de Ventura. Em Los Angeles fui entrevistada duas vezes, mas não me escolheram. Acho que o advogado ficou preocupado quando usei a palavra socialista para explicar a minha preocupação com o caso que iria ser julgado. A família de um funcionário de uma empresa fabricante de peças para navios acusava a empresa pela morte do funcionário. Ele inalou uma substância que fazia parte da peça por mais de trinta anos e desenvolveu câncer. Triste. Eu definitivamente tenderia a ajudar a família.
Naquele dia tive uma conversa com uma mulher durante um dos intervalos. Disse a ela que tinha acabado de lançar um álbum e lhe dei uma cópia de presente. Uma semana depois ela me ligou. Ela estava envolvida na pós-produção de um filme e eles queriam que uma de minhas músicas aparecesse em uma parte muito importante de uma cena. O filme se chama The Last Word com Winona Ryder, Wes Bentley e escrito e dirigido por Geoffrey Haley. Que surpresa.
Gosto de me sentir parte de comunidades democráticas. O Jury Duty me dá essa oportunidade. Os EUA usam júris para a maioria dos tipos de julgamentos, desde homicídio até assalto a banco. Eu acho educativo em todos os sentidos. Por lei todos tem que participar. Se você é cidadão americano, maior de 18 anos e entende a língua, não interessa a cor, idade e o sexo. Um saco? Para muitos sim. Mas, um dia, quando receber o convite, pense na aventura que o Jury Duty pode trazer para sua vida. A responsabilidade de fazer parte de uma experiência dessa pode ser bastante interessante.
* Katia Moraes é cantora, compositora e artista carioca. Ela vive no Sul da California desde 1990 e fez parte do grupo musical carioca Espirito da Coisa nos 90’s. No instagram ela esta como @brazilianheartbykatiamoraes