Por Lindenberg Junior
“E assim…
E assim…
Neste cenário de real valor
Eis… o mundo encantado
Que Monteiro Lobato criou” (Mangueira, 1967)
Ao descobrir que sua paciente era uma passista da Mangueira, o acadêmico da Santa Casa de Misericórdia, no Rio de Janeiro, a fez cantar o samba enredo da referida escola daquele ano. A cada contração, entre um urro e outro, a paciente repetia as estrofes do samba que fez o maior sucesso em todo Brasil.
Foi assim que Ana Carla Gomes de Oliveira, a Aninha, veio ao mundo! Filha de pais “sambistas”, Aninha não teve outra saída a não ser gostar de Samba. A primeira vez que pisou numa escola de samba tinha apenas três meses de vida. O pai da Aninha, Carlinhos Pandeiro de Ouro, é uma lenda viva da Escola de Samba da Mangueira e do Carnaval do Rio.
Aninha cresceu no meio da nata de pagodeiros, ritmistas, sambistas, passistas e grandes compositores, os então chamados Baluartes do Samba. A primeira palavra que ela recorda escutar na casa de seu finado padrinho, Djalma dos Santos – por vários mandatos presidente da Mangueira, foi “samba”. Tem uma estória na família que diz que no momento em que alguém falava a palavra “samba”, Aninha colocava o dedo indicador no umbigo e começa a rodá-lo simulando um rebolado. Essa carioca da gema, até seus 18 anos, participou de ensaios pré-carnavalescos, desfilou na passarela do samba e frequentou as coxias de teatros e festivais onde seus pais faziam shows.
Mas a grande paixão pelo samba se deu mesmo quando, aos 10 anos, acordou e os primeiros acordes da União da Ilha tomaram a avenida: “Vem amor/ Vem à janela ver o sol nascer/ Na sutileza do amanhecer/ Um lindo dia se anuncia”. O coração de Aninha bateu mais forte e, desde então, ela se tornou uma apaixonada pela União, contrariando toda sua família Mangueirense.
Ao longo dos anos, Aninha pôde aprimorar os passos do samba, mas também perceber o valor da cultura do estilo musical e as dificuldades encontradas pelos sambistas. Através dessas experiências, ela se tornou mais criativa e desenvolveu seu potencial artístico. Decidiu, então, buscar alternativas e completou o curso universitário de letras. Como ela diz “Brasileira Negra, Sambista, e no meio dos baluartes das Letras”. Aninha então casou, teve sua primeira filha Mariana, se afastou um pouco do cenário artístico, mas nunca de suas raízes.
Desde que Aninha decidiu imigrar para os USA, mais precisamente para o Hawaii, em 1991, ela se viu na missão de ensinar samba. Aninha foi “intimada” por Pilar Leto, uma professora Filipina amante das danças e músicas afro latinas a substitui-la nas aulas de Samba na Universidade do Hawaii.
A psicologa-sambista então, começou uma jornada que está se prolongando por mais de 25 anos. Aninha já morou em diversos lugares dos Estados Unidos, como Hawaii, Los Angeles, San Francisco, Boston e, em todos os lugares em que passou, ela foi uma ativista do samba e da cultura Brasileira. Graças ao samba, e por ele, ela tem viajado por vários estados dos EUA e outros países, entre eles, México, Japão, Austrália e Canadá.
Desde 1999, Aninha faz parte do quadro de instrutores do Califórnia Brazil Camp, em Cazadero, no qual, às vezes, por uma ou duas semanas, ela ministra aulas e cria uma coreografia final. Essa, assim chamada por muitos, “embaixadora” do samba, organiza grupos para o Brasil nos quais os participantes experimentam uma imersão na cultura brasileira, mais precisamente na cultura do samba e do carnaval carioca, participando de várias oficinas de samba no pé, Jongo, participando de diversos eventos, incluindo práticas espirituais e desfilando nas grandes escolas de samba tais como Mangueira, União da Ilha, Viradouro.
Mas se você pensa que essa incessante carioca da gema, amante e ativista do samba, parou por aí, você está enganado. Aninha recebeu o diploma de mestrado da Universidade de Boston (2001) em Aconselhamento Comunitário e o certificado de pós-graduação em Aconselhamento Psicológico pelo Cambridge College (2003). Suas duas teses abordaram o impacto psicológico do processo de imigração dos brasileiros para os Estados Unidos.
Aninha, então, trabalhou em vários centros comunitários com vítimas de violência doméstica e abuso sexual. Ainda desenvolveu vários programas envolvendo o samba para ajudar as vítimas a se reconectarem com partes perdidas ou esquecidas do corpo, da mente e da alma. Em 2002, a carioca retornou para Los Angeles e recomeçou suas aulas no Brasil Brasil Cultural Center. Desde então, Aninha tem desenvolvido sua própria metodologia integrando a psicologia ao samba.
Por meio desse método, ela desenvolveu a oficina “Samba Sweat and Chicken Soup for the Soul!“ (Samba, Suor e Canja para a Alma), onde integra elementos da cultura e história brasileiras ao samba, com importantes elementos que ajudam os atendentes a se reconectarem com partes do corpo, mente e alma; o programa Samba Lelê para a população infanto-juvenil; Programa Intensivo de Samba, Programa de Residência do Samba, onde Aninha está trazendo vários renomados mestres do samba como Patrick Carvalho, Rodrigo Marques, Marcelo Chocolatt, Preta Nascimento, entre outros para ensinar Samba no pé e Samba de Gafieira.
E você ainda acredita que ela parou por aí? Que nada… Desde 2005 a carioca pesquisa e tenta resgatar outras danças pré-descendentes do samba assim como o Jongo, Maxixe, Lundu e Tambor de Criola. Destas pesquisas, nasceram os grupos Samba N’ Motion and Malandro N’ Motion. Com esses grupos Aninha já fez vários shows (Uma Noite no Rio!) e várias intrigantes coreografias que foram apresentados no Festival de Filmes Brasileiros em Los Angeles, Dia Brasileiro em Berkeley, San Diego, Santa Barbara, o campeonato do Rei e Rainha do Samba no Arizona, e em 2016 no Gafieira Brasil no Rio de Janeiro.
Ela também organiza o esperado International Samba Congress, um evento anual que promove um intercâmbio cultural, oferecendo aos participantes três dias de workshops, palestras, aulas de dança e percussão, além de apresentações e performances diversas.
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