Já parou para pensar onde surgiu o curioso termo “motel” e por que ele é tão diferente do hotel tradicional? E por que será que nos EUA ele tem um significado e no Brasil outro? Bem, podemos dizer que o motel é uma invenção genuinamente americana, mais precisamente na Califórnia, surgida a partir da convergência de dois fenômenos sociais e econômicos: a expansão das estradas e a crescente cultura do automóvel no início do século XX.
A necessidade de oferecer hospedagem prática, acessível e adaptada às demandas do viajante automotivo criou um novo modelo de acomodação que mudaria para sempre o conceito tradicional de hotelaria.
O primeiro motel do mundo foi inaugurado em 12 de dezembro de 1925 em San Luis Obispo, Califórnia, um ponto estratégico entre Los Angeles e São Francisco, cujas viagens de carro demoravam cerca de dois dias naquela época. O idealizador foi o arquiteto Arthur S. Heineman, que concebeu o “Milestone Motor Hotel”. O nome então foi abreviado para “Mo-Tel”, dando origem à palavra motel.
O design inovador do Milestone Mo-Tel destacava-se por oferecer uma série de bangalôs independentes, cada um com banheiro privativo e chuveiro, além da conveniência inédita de permitir que os hóspedes estacionassem seus veículos diretamente em frente aos quartos.
Inspirado pela arquitetura das missões espanholas californianas, o estabelecimento contava com uma torre de sino que se tornou sua marca registrada. Com um investimento aproximado de 80 mil dólares (bem alto para a época) o motel oferecia diárias acessíveis, em torno de 1,25 dólar, com planos para expandir uma cadeia de motéis ao longo da costa oeste.
Por que “motel” e não “hotel”?
O termo “motel” representou um neologismo prático, que associava a palavra “motor” à de “hotel”, refletindo seu público-alvo: motoristas e viajantes de automóveis. Apesar da inovação, o projeto original de Heineman não se concretizou plenamente devido à Grande Depressão, que inviabilizou investimentos e provocou a venda da propriedade. O Milestone Mo-Tel foi renomeado Motel Inn e funcionou até 1991, tendo partes de sua estrutura preservadas no Apple Farm Inn, em reconhecimento à sua relevância histórica.
A Consolidação e Expansão do Modelo Motel
O Sahara Motel em Hollywood na Califórnia já foi usado pela indústria do cinema em várias ocasiões
Após a Segunda Guerra Mundial, o modelo motel explodiu em popularidade nos Estados Unidos, impulsionado pela construção da rede interestadual de rodovias e pela cultura automobilística dominante. Caracterizados por construções simples, de um ou dois andares, em formatos que facilitavam o acesso direto dos quartos aos estacionamentos, os motéis se tornaram sinônimos de praticidade e informalidade.
O uso de letreiros de néon e fachadas chamativas eram elementos comuns, projetados para captar a atenção dos motoristas em movimento. Enquanto inicialmente a maioria dos motéis eram independentes, na década de 1950 surgiram redes padronizadas, como a Holiday Inn, que elevaram a oferta de comodidades ao incorporar piscinas, televisores coloridos e ar-condicionado, diluindo a linha entre motéis e hotéis tradicionais. Contudo, o mote essencial do motel, acesso direto e conveniência para motoristas, permaneceu seu principal diferencial.
Motéis e a Cultura Popular
Os motéis ganharam um papel icônico na cultura americana, tornando-se cenários recorrentes no cinema hollywoodiano, que explorou suas ambivalências: do refúgio aconchegante à cena de suspense. O emblemático Bates Motel do filme “Psycho” (1960), dirigido por Alfred Hitchcock, exemplifica o papel simbólico do motel no imaginário coletivo como lugar de mistério e tensão.
Filmes como “Touch of Evil” (1958) e “Sideways” (2004) também imortalizaram motéis como elementos narrativos, revelando a profundidade cultural e histórica desse tipo de hospedagem.
Uma curiosidade interessante é que as famosas redes Motel 6 e Super 8, por exemplo, adotaram seus nomes em referência aos preços de diária originais: 6 dólares e 8,88 dólares respectivamente.
Por que o motel no Brasil tem um sentido tão diferente dos Estados Unidos?
Embora inspirado pelo modelo americano, o motel brasileiro se consolidou principalmente a partir do final da década de 1960, nas grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, como uma solução para a demanda por espaços reservados para encontros íntimos de casais.
A rede de hotéis Motel 6 é uma das maiores dos EUA e nasceu no ano 1962 ao custo de US$6 a diária em uma estratégia de marketing
A ascensão dos motéis no Brasil está ligada a mudanças sociais profundas: a popularização da pílula anticoncepcional, a urbanização acelerada e a necessidade de privacidade em lares muitas vezes pequenos ou compartilhados. Diferentemente dos EUA, onde o motel é voltado principalmente para viajantes, no Brasil o motel passou a ser associado ao lazer, ao romance e ao sigilo, constituindo-se como um setor econômico robusto, com mais de 5 mil estabelecimentos e movimentação anual que supera R$ 4 bilhões.
A complexidade cultural dos motéis brasileiros inclui conotações que vão do romance à transgressão social, sendo ao mesmo tempo refúgio para encontros casuais, locais de escapismo e até ambientes para transações comerciais relacionadas ao sexo.
Surpreendentemente a ditadura militar no Brasil contribuiu para sua expansão, ao investir na infraestrutura turística e financiar indiretamente esses empreendimentos, que passaram a ser deslocados para áreas periféricas após episódios polêmicos e controle social mais rígido.
Motéis no Mundo
O motel como conceito de hospedagem para viajantes ainda é uma prática americana, mas outros países possuem variações próprias. O Japão, por exemplo, tem os “love hotels”, que são voltados ao encontro íntimo e conhecidos por sua decoração temática e discrição, funcionando mais em centros urbanos do que às margens das estradas.
Na Europa, especialmente na Alemanha, essa modalidade associada a hospedagens rápidas para encontros é rara, mas vem ganhando espaço na Península Ibérica, impulsionada principalmente pela imigração de descendentes de brasileiros e mexicanos que levaram o modelo ao retorno para seus países de origem.
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