Por Lindenberg Junior
Anos atrás, tive uma conversa com a então embaixadora do Brasil em Los Angeles, Thereza Maria M. Quintella, em seu gabinete no Consulado-Geral do Brasil em L.A. A embaixadora compartilhou suas experiências consulares em Londres, Moscou e sua querida cidade do Rio de Janeiro, além do seu trabalho aqui em Los Angeles. Ela mencionou com entusiasmo a imagem positiva do Brasil entre os americanos na cidade: “Vejo uma reação muito favorável dos americanos quando alguém se identifica como brasileiro”. Acrescentou ainda: “Acredito que Los Angeles é uma cidade com uma demanda crescente em busca do Brasil e sua cultura. Na verdade, seria uma excelente ideia as companhias aéreas oferecerem mais opções de voos diretos ligando esta cidade ao nosso país”.
Na ocasião, em 2007, perguntei também quais eram, na visão dela, os melhores e piores aspectos de viver em Los Angeles. “O melhor é morar em uma cidade predominantemente formada por casas ao invés de prédios. Também me fascina o clima fantástico! O pior é o trânsito caótico que enfrentamos diariamente”. As respostas da embaixadora não me surpreenderam, pois naquele mesmo ano, na primeira edição deste artigo, entrevistamos 100 brasileiros residentes em L.A., e 90% deram respostas semelhantes. A Embaixadora Quintella foi idealizadora e grande incentivadora da criação do primeiro “Brazilian Day in L.A.”, evento anual realizado em setembro, mês da independência do Brasil. Sua iniciativa foi pioneira não só em Los Angeles, mas em toda a Costa Oeste dos Estados Unidos, tendo ocorrido por seis anos consecutivos. Infelizmente, não continuou, em parte, devido à crise no Brasil e ao corte de verbas governamentais.
A comunidade brasileira em Los Angeles começou a se estabelecer no final dos anos 80, quando já havia milhares de brasileiros atraídos pelo clima maravilhoso, as praias, a cultura do surfe e do skate, e claro, Hollywood (e muitos também pela música do astro dos anos 90, Lulu Santos: “Garoto, eu vou para Califórnia, vou ser artista de cinema… o meu destino é ser superstar…”)
Era uma época sem internet, em que ligar para o Brasil custava mais de US$ 1 por minuto, e as opções para comprar produtos brasileiros aqui em L.A. ou no sul da Califórnia eram limitadas — era necessário trazê-los do Brasil ou pedir para familiares enviarem pelo correio ou amigos que viessem do Brasil. Farinha de mandioca torrada para fazer farofa e azeite de dendê para preparar uma moqueca saborosa, entre muitos outros produtos brasileiros, eram considerados itens de luxo, pois não os encontrávamos aqui.
- Mercados Brasileiros
Entretanto, desde os anos 90 essa situação vem mudando gradativamente. Após o ano 2000, abriu o Kitanda Brazilian Market em Sherman Oaks (que fechou anos depois) e o Supermercado Brasil em Culver City. Alguns anos depois, surgiram a Hi Brazil Boutique em Redondo Beach e a Brazil Mania em Torrance. Depois de 2005, vários mercados latinos passaram a oferecer produtos brasileiros em suas prateleiras, como El Mambi em Glendale, El Camaguey em Culver City, Continental Gourmet em Hawthorne e Lomita (com mais três filiais), Carniceria Argentina em North Hollywood e Latimex Market em Chino (a leste de L.A.). Alguns desses mercados latinos chegam a oferecer cervejas e cortes de carne ao estilo brasileiro, como a “picanha”.
- Restaurantes Brasileiros
No início dos anos 90, começaram a surgir os primeiros restaurantes brasileiros. O pioneiro no modelo “All you can eat” foi o Brazil by the Bay em Torrance, enquanto o pioneiro no estilo “À la carte” foi o Café Brasil em Culver City. Atualmente, há diversas opções de restaurantes brasileiros, mas a predominância fica com as churrascarias brasileiras, como a Fogo de Chão, com várias unidades. Falando em pioneirismo, o Pampas Grill, dentro do emblemático Farmer’s Market, estabeleceu o estilo de churrasco “pago pelo peso” e, com o sucesso, abriu uma segunda unidade em Culver City alguns anos depois. Também vale mencionar o Bossa Nova (várias unidades) e o Silvio’s Brazilian BBQ, por sua proposta de fusão entre culinária americana e brasileira. Após anos estabelecido em Hermosa Beach com sua cultura “California Surf”, o Silvio’s mudou de proprietário e nome para Panelas HB.
- A Capoeira
A capoeira, arte marcial brasileira, é uma forte expressão cultural que não poderia faltar em Los Angeles. Muitas de suas técnicas podem ser vistas no filme Mulher-Gato (Catwoman), onde a atriz Halle Berry aprendeu movimentos tradicionais para executar cenas eletrizantes. O mestre Boneco, do grupo Capoeira Brasil em Culver City, que foi treinador particular de Berry, afirma: “É muito gratificante ver a capoeira fluindo na cultura americana”. Além da Capoeira Brasil, entre os grupos mais tradicionais em L.A. está o Capoeira Batuque, também em Culver City. Fundado pelo mestre Amen Santo, pioneiro da capoeira em Los Angeles e um dos primeiros a estabelecer relações com Hollywood. No filme Só os Fortes (Only the Strong), com Jean Claude Van Damme, a participação do mestre Amen representou tanto a capoeira quanto o Brasil. Atualmente, existem vários grupos de capoeira espalhados pelo condado de Los Angeles.
- Brazilian Jiu-Jitsu
O Brazilian Jiu-Jitsu (BJJ) ganhou fama mundial pela família Gracie, que por anos esteve estabelecida em L.A. e foi uma das primeiras a levar suas técnicas à América do Norte. Produtores de Hollywood perceberam o potencial do esporte, utilizando muitas técnicas em coreografias de filmes de luta, como na cena final de Máquina Mortífera (Lethal Weapon), com Mel Gibson. Celebridades de Hollywood praticam BJJ, entre elas Chuck Norris, Vin Diesel e Guy Ritchie. Existem inúmeras academias espalhadas pela cidade, além do Museu do Brazilian Jiu-Jitsu, dentro da Gracie Academy em Torrance, fundada por Rorion Gracie, filho do lendário mestre Helio Gracie.
- Futebol Brasileiro
Como o futebol é uma mania nacional, vale destacar um fato interessante. Para aliviar o estresse e se divertir, um grupo de brasileiros iniciou jogos de futebol semanais aos sábados na Glendale College, em 1979. Após seis anos, o jogo mudou para a Pasadena High School. Durante esse período, celebridades do futebol brasileiro como Pelé, Jairzinho, Marinho Chagas, Paulo César Caju e Júnior, todos ex-jogadores profissionais, visitaram esses encontros em L.A., reforçando sua importância crescente. Essa tradição mudou de local diversas vezes ao longo dos anos, e segue viva em 2025, graças a Almir Santer (um dos fundadores) e a muitos brasileiros da velha guarda que organizam “peladas” (jogos informais) seguidos de churrasco aos sábados à tarde — em 2025, o jogo acontece em Culver City e o churrasco na Mothers Beach, em Marina Del Rey.
- Surf, Skate e Cultura Praiana
No Brasil, relaxar e praticar esportes caminham lado a lado, e o amor dos brasileiros pela cultura praiana é um exemplo claro disso. Muitos se reúnem em Redondo Beach e Hermosa Beach, assim como faziam nos anos 90 próximo ao píer de Venice Beach. Surfe e skate são paixões de muitos brasileiros, e alguns dos mais renomados profissionais e empresários brasileiros nessas áreas vivem em L.A. e também no Orange County.
- Música e Dança Brasileiras
A música brasileira em Los Angeles encontrou seu espaço em dois programas de rádio apresentados por Sergio Mielniczenko: o “Brazilian Hour”, um programa online (mais informações em www.brazilianhour.org), e o “Global Village”, transmitido às sextas-feiras pela KPFQ 90.7 FM. Há também diversos músicos brasileiros locais que vivem há anos na cidade, entre eles o internacionalmente reconhecido Sergio Mendes (falecido em 2024), o percussionista Airto Moreira e sua esposa Flora Purim. Moreira comenta: “Com o trânsito intenso, tudo fica longe e parece que estou sempre atrasado”. Para ele, as belezas da cidade estão nos diversos cânions que ligam o Vale à costa e na natureza exuberante da paisagem. Há mais de 60 músicos brasileiros talentosos em L.A. — você pode conferir a lista completa AQUI.
Além de Sergio, Airto e Flora, alguns dos pioneiros e residentes mais antigos são Katia Moraes, Sonia Santos, Ana Gazola, Flavio Ribeiro e Kleber Jorge. Para quem quer aprender samba, se divertir, aprimorar habilidades ou simplesmente conhecer o ritmo brasileiro, há diversas opções. Entre os residentes mais antigos, os bailarinos e coreógrafos brasileiros Aninha Laidly, Jonia McClenney e Katia Vaz oferecem aulas de samba afro-brasileiro em vários estúdios da cidade.
- Fé Brasileira
Grande parte da expressão cultural do brasileiro vem dos fortes sentimentos religiosos. E, assim como Deus é grande, há uma variedade significativa de comunidades religiosas espalhadas pela cidade, incluindo igrejas evangélicas — batistas, metodistas, assembleia de Deus, adventistas —, centros espíritas e até centros de umbanda. Essas comunidades contribuem para o bem-estar e conforto de nossos compatriotas, que nelas encontram uma forma de socialização e ampliação de suas redes de amizade. Elas ajudam a reduzir sentimentos de isolamento cultural e solidão, além de fortalecer vínculos espirituais.
- Carreira e Profissões
No campo profissional, a grande diversidade de brasileiros tornou-se cada vez mais visível ao longo dos anos. Além de muitos babás e motoristas brasileiros, é possível encontrar cabeleireiros, personal trainers, promotores de eventos, corretores de imóveis, agentes de viagens e seguros, advogados, psicólogos, dentistas, médicos e terapeutas, artistas, bem como um número expressivo de profissionais ligados ao cinema, como atores e cineastas.
Bakari Santos, por exemplo, é um artista, artesão e promotor muito conhecido entre os brasileiros da Califórnia, que chegou a Los Angeles nos anos 80. “Acho que o clima desértico com dias quentes e noites frescas, as muitas opções para aproveitar praias, montanhas e parques, a beleza e diversidade do povo junto à vibração cosmopolita da cidade atraem muitos de nós, brasileiros, assim como pessoas de todo o mundo”, afirma Bakari. Outra artista brasileira pioneira é a ceramista Sandra Zebi, que chegou a L.A. no final dos anos 80.
Há também muitos talentos jovens, americanos-brasileiros nascidos em L.A., que ajudarão a fortalecer a “marca” Brasil no futuro. Todos eles são expressões marcantes da cultura brasileira. Finalizamos este artigo especial com um comentário do corretor de imóveis Vladimir Bellemo, outro pioneiro e residente de longa data em Los Angeles e Orange County: “Infelizmente, devido à especulação imobiliária dos últimos anos, em parte provocada por esse grande interesse em morar em Los Angeles, os aluguéis e preços dos imóveis dispararam a valores exorbitantes. Mas isso é algo natural, como ocorre em cidades como Nova York e São Francisco”.
- Mídia Brasileira e Considerações Finais
Quem viveu em Los Angeles no início dos anos 2000 teve a oportunidade de acompanhar o surgimento da revista Brazil Explore, de Marcelo Gomes, e, menos de dois anos depois, o nascimento do programa Soul Brasil, no verão californiano de 2002. Após a pandemia da Covid-19, o número de brasileiros interessados em morar em Los Angeles cresceu significativamente, incluindo aqueles que já viviam nos EUA, em estados como Flórida e Massachusetts. Na data desta última atualização, em 2025, estima-se, embora não oficialmente, que existam mais de 70 mil brasileiros residindo no Condado de Los Angeles.