Por Claudia Guedes

CherryTart 11Eu geralmente escrevo sobre música e culinária sofisticada, privilégios de algumas poucas pessoas. Hoje vou variar e escrever sobre algo que todos possuímos, mas que muitos de nós não sabemos como compartilhá-la ou consegui-la. Estou falando da generosidade.

Via de regra, os brasileiros são identificados como pessoas generosas, gentis e de coração aberto. Sim, parte dessa identidade que floresce é verdadeira entre amigos ou quando alguma tragédia deixa milhares de pessoas em condições desesperadoras.

Nós já vimos cenas de miseráveis dividindo até o que eles não têm. Alguns brasileiros entretanto não fazem idéia de como os americanos também podem ser generosos e caridosos. Comparativamente, o número de pessoas que trabalham voluntariamente na arrecadação de fundos para organizações de caridade é maior nos EUA do que no Brasil. E isso não se deve apenas a mais forte economia Americana,mas sim à dedicação de tempo e esforços despendidos para ajudar as mais diversas causas.

Deixe-me apresentá-los ao projeto AIDS/LifeCycle. Neste evento, ciclistas e voluntários percorrem quase 1000 quilômetros de São Francisco até Los Angeles. Esse é um evento oficial da San Francisco AIDS Foundation e do Centro de Gays e Lésbicas de Los Angeles. O objetivo é o de aumentar a consciência das pessoas em relação ao problema da AIDS e levantar dinheiro para ajudar essas instituições a continuarem provendo a educação e os serviços necessários para essa comunidade.

Geralmente, os ciclistas não são atletas, mas cidadãos comuns que se engajam no evento por alguma motivação muito forte. A minha história de hoje é sobre Beau Thomson, meu amigo e companheiro de Ioga. Ele faz parte do grupo seleto de seres humanos que recebe grandes coisas na vida e as divide com outras pessoas. Foi ele quem trouxe até mim a seu conto de amor – ele corria por seu parceiro já morto, Robert Hale, por uma causa, ajudando a arrecadar mais de U$8 milhões – um recorde para a Califórnia AIDS/LifeCycle, e eu decidi compartilhá-lo com todos vocês.

Beau deu início ao seu plano enquanto treinava duramente em seus momentos de folga, fazendo aulas de ioga e largando o cigarro. Mesmo estando preparado para acidentes, isso não significa que você irá evitá-los. Quando apenas faltavam 8 km dos mais de 900 do percurso, três raios de uma das rodas quebraram, causando o “entortamento” da mesma. Era o último dia de percurso e pouquíssimo caminho restava a ser percorrido. Nesse momento, o desespero começou a bater: ele não tinha como substituir as peças defeituosas e, óbvio, não teria como finalizar a prova sem elas. O que fazer? Comprar uma nova bicicleta? Impossível, já que a loja estava muito longe de lá. O suporte técnico já estava fora de serviço e a equipe de apoio não via outra solução que não a desistência da prova antes do final. O que ele poderia fazer?

Subitamente, uma voz surgiu lá de trás. Ela vinha do participante de número 1006. Esse homem ofereceu a sua própria bicicleta para Beau. Ele já havia completado a corrida no ano anterior e sentiu a importância daquela prova para Beau, qualquer que fosse a motivação dele. Meu amigo aceitou com enorme gratidão a bicicleta ofertada, mas também insistiu para que a equipe de apoio a devolvesse para o seu dono tão logo o percurso estivesse sido completado. Isso daria a chance para que ele – o “1006”, também terminasse a corrida. Havia um porém, a equipe não poderia prometer nada.

Beau terminou a corrida – um prêmio de dedicação e paciência para com Robert, e ficou muito tocado com a generosidade de seu companheiro de prova. Na linha de chegada outro presente o aguardava. Dan England (um voluntário da equipe de apoio) devolveria a bicicleta para o participante 1006. Ele foi o último a chegar escoltado pelos motociclistas e cercado por sua honra e generosidade para cruzar a linha final. O que pode ser aprendido desse fato? Que ao sairmos de nossa trilha para ajudarmos aos outros poderemos ganhar coisas inimagináveis. Quase sempre esses presentes vão muito além de bens materiais. Falamos aqui de algo que fica para sempre cravado em nossas almas. Isso é algo precioso e perene. Nós talvez jamais saibamos o nome do participante de número 1006, mas seu exemplo o torna uma pessoa inesquecível.

* A brasileira Claudia Guedes vive na Bay Area. Ela é PhD e Professora Assistente no Departamento de Cinesiologia (o estudo dos movimentos musculares) da San Francisco State University.

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