Por Laís Oliveira

size_810_16_9_pilula_cancer_usp-okDe todos os cantos do Brasil, familiares de pacientes com câncer, muitas vezes em estado terminal, entram na justiça para obter autorização para adquirir uma cápsula milagrosa, conhecida entre os simpatizantes como “fosfo”. Desde os meses finais de 2015, essa possível cura para o câncer se espalhou pelo país e tem sido motivo de alegria e esperança para uns e desconfiança e questionamento para outros.

Em alguns programas de TV são relatados inúmeros depoimentos de pessoas que dizem ter tomado um “certo composto” com propriedades de cura e melhorado após travar uma luta contra o câncer.  A verdade é que muito tem se falado sobre a fosfoetanolamina sintética, molécula que ficou conhecida como a “pílula do câncer”.

Apesar de ser produzida há mais de vinte anos no Brasil, a “fosfo” tem ganhado espaço na mídia desde 2015 e agora está no centro de uma grande discussão nacional entre população, médicos, advogados e cientistas. Mas por que, depois de longos anos de produção, a cápsula só agora ganhou os holofotes e vem travando a língua de diversas pessoas de norte a sul do país?

Tudo começou no final da década de 80, quando o químico e pesquisador Gilberto Chierice começou a sintetizar um composto químico na Universidade de São Paulo (USP) que acreditava ser capaz de tratar o câncer ou, pelo menos, obter melhores resultados do que os tratamentos convencionais utilizados hoje em dia.

A fosfoetanolamina é uma molécula naturalmente presente no corpo humano, mas, em laboratório, o químico e sua equipe conseguiram fabricar a versão sintética que mistura uma substância comum em shampoos de cabelo e o ácido fosfórico (conservante de alimentos). A “fosfo” atua em conjunto com as células de defesa do corpo fazendo com que as células cancerosas fiquem mais visíveis para o organismo combatê-la.

Desde a sua descoberta, a fosfo era produzida e distribuída informalmente de graça, já que seu custo era extremamente barato – cada cápsula custava em média R$0,10. Segundo o químico Gilberto Chierice, nos últimos anos chegaram a ser produzidas em média 50.000 cápsulas por mês, o que, na teoria, poderia ajudar entre 800 a 1.000 pessoas com câncer de diversos tipos a serem tratadas a cada mês.

O Problema com a Fosfoetanolamina

O grande problema envolvendo as afirmações de cura através do uso da cápsula é a falta de comprovação científica. A substância, mesmo com mais de duas décadas de distribuição, ainda não passou pelas etapas de pesquisa necessárias para o desenvolvimento de um medicamento, portanto, de acordo com a lei, não poderia ter sido usada para tratar pessoas.

Com base nesta alegação, a USP suspendeu a distribuição das cápsulas após a aposentadoria de  Chierice, em dezembro de 2013. Alguns lotes restantes ainda eram entregues a quem chegava à instituição com mandado judicial para conseguir as cápsulas, porém, em definitivo, no dia 01 de abril de 2016, a USP fechou o laboratório que produzia a substância e informou que não produziria mais porque não é dona da patente e não é uma indústria para produção em larga escala, já que a demanda é grande.

A partir de então, o único meio de obter a “fosfo” é através do Laboratório PDT PHARMA, localizado em Cravinhos, interior de São Paulo – o único lugar no Brasil que tem autorização legal para produção e distribuição da fosfoetanolamina. Atualmente só conseguem as cápsulas os pacientes ou familiares que entram com ação judicial e conseguem autorização. Com muitos processos em andamento, os tribunais já determinaram a entrega da fosfo a cerca de 800 pessoas.

Renato Meneguelo, o único médico da equipe de Chierice, fez o teste em algumas células humanas e em ratos e afirma que não é em todos os tipos de câncer, ou dependendo do grau de avanço da doença, que o composto químico funcione. Após forte apelo à Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária e à Fundação Oswaldo Cruz – uma das mais prestigiadas instituições de pesquisa do país, para serem feitos testes da eficácia do produto e, consequentemente, haver o registro e, então, a fabricação do medicamento, o pedido não saiu do papel por esbarrar em questões burocráticas envolvendo a patente do composto e um acordo de sigilo que Renato e Gilberto se negaram a aceitar.

Começa a Fase de Teste da Fosfoetanolamina em Humanos

Para a felicidade de muitos pacientes, no final do primeiro semestre de 2016, começaram os testes em humanos portadores de câncer por meio do Icesp – Instituto do Câncer de São Paulo, com iniciativa do Governo de São Paulo. Em uma fase inicial, dez pacientes foram tratados com fosfoetanolamina sintética para avaliar a toxicidade do produto e determinar a segurança do composto. A conclusão foi que não há riscos de efeitos adversos graves associados ao uso da substância.

medic-563423_960_720Seis deles foram retirados do estudo porque apresentaram progressão da doença e quatro continuaram sendo monitorados. Como foi verificado que a fosfo é segura, o tratamento segue para uma segunda etapa, que vai envolver 210 pacientes, 21 por grupo. São 10 grupos com o tipo mais comum da doença. Segundo Milena Mak, médica oncologista envolvida nos testes, na seleção de pacientes foram escolhidas pessoas em estágio avançado da doença. “Os pacientes passaram pelos tratamentos tradicionais, sabidamente eficazes para tratamento daquela neoplasia, ou seja, tratamentos curativos ou que estão associados a ganho de sobrevida. Mas todos os pacientes estão com uma boa funcionalidade, têm as funções orgânicas preservadas por se tratar de uso de droga experimental”, explica Milena.

A segunda fase dos testes com a fosfoetanolamina começou no dia 10 de outubro. Apesar de ainda ser precoce tentar avaliar se a pílula obteve eficácia contra a doença, a expectativa é grande e positiva entre os milhares de familiares e pacientes que aguardam ansiosamente o fim de todas as fases de aprovação da substância.

Uma terceira fase de testes se inicia com o grupo que demonstrar alguma resposta ao tratamento. Nesta terceira fase os grupos serão expandidos progressivamente, podendo chegar a até 100 pessoas por grupo. Ao final, o estudo completo poderá envolver até 1000 pacientes.

O Instituto do Câncer informou que recebeu da Fundação para o Remédio Popular (Furp) cápsulas suficientes da substância para realizar a pesquisa. A sintetização da fosfoetanolamina foi feita pelo laboratório PDT Pharma, de Cravinhos. A Furp encapsulou a substância e entregou ao Icesp.

A previsão é que entre março e junho de 2017 os resultados finais dos testes com a fosfo sejam finalmente revelados. Mesmo antes da conclusão dos estudos, muitos pacientes e familiares ainda buscam autorização na justiça para obter as cápsulas na esperança de melhora diante dos vários relatos positivos pelo Brasil.

Caso seja comprovada a eficácia no tratamento e, quem sabe a cura, com a ingestão de fosfoetanolamina, esta pode ser uma das melhores notícias na comunidade científica em muitos anos, visto que, pelos números oficiais, o Brasil vai terminar o ano de 2016 com 599.070 novos casos de todos os tipos de câncer. Em grande parte, estes números resultarão em mortes, seja pelo atraso ou ineficácia no diagnóstico ou pela falta de condição financeira para tratar os tumores adequadamente.

Respostas para as perguntas mais comuns envolvendo o composto que pode mudar a vida de pacientes com câncer:

O que é?

A fosfoetanolamina sintética é uma substância que passou a ser produzida em laboratório, na Universidade de São Paulo, pelo químico e pesquisador Gilberto Orivaldo Chierice, que acredita que ela seja capaz de tratar câncer. O pesquisador alega que pediu ajuda à Anvisa para desenvolver os testes necessários, mas houve, segundo ele, impasses burocráticos que impediram que o pedido saísse do papel.

A fosfoetanolamina vem acompanhada de bula?

Ainda que a entrega atualmente seja realizada por demanda judicial e não mais pela USP, mas sim pelo Laboratório de Cravinhos, já que o composto está em fase de testes, as cápsulas de “fosfo” não são acompanhadas de bula ou informações sobre eventuais contraindicações e efeitos colaterais. Isto se dá porque não foram realizados por completo os testes em seres humanos para que, eventualmente, a substância seja normatizada e transformada em medicamento.

Para quais tipos de tumores a fosfoetanolamina é indicada?

Os testes em humanos ainda estão em andamento, portanto não se dispõe de dados sobre a eficácia da fosfoetanolamina no tratamento dos diferentes tipos de câncer.

O que relata quem já utilizou o composto no tratamento contra o câncer?

A maioria dos pacientes que faz uso da substância relata que os efeitos da quimioterapia, como perda de peso, falta de apetite, vômitos, entre outros, sumiram após poucos dias de ingestão das cápsulas de “fosfo”. Outros relatam que estavam desenganados e sem esperança e após o uso por alguns meses, os exames constataram a diminuição e cura dos tumores malignos.

O que a comunidade médica afirma?

A pessoa pode melhorar por diversos fatores, tanto pelo efeito placebo (quando um remédio sem nenhum efeito é dado para pacientes para comparar com os reais efeitos do composto, e eles geralmente sentem a melhora dos efeitos em cerca de 20%), quanto por outras interações medicamentosas. Como a pessoa é acompanhada, não é possível dizer o que a fez melhorar e se ela realmente melhorou.

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