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As fotos de André-Charles Armeilla retratam o Rio de Janeiro no início do século XX (Foto: André-Charles Armeilla)

Há pouco mais de um século, um fotógrafo francês fotografou o Rio de Janeiro em cliques inovadores e de altíssima qualidade técnica. Porém, após viver e morrer de forma misteriosa, ele teve seu nome apagado da história. Mas essa obscuridade finalmente chegou ao fim.

André-Charles Armeilla foi o autor de registros emblemáticos da paisagem carioca na primeira década do século XX. Suas belíssimas fotos estamparam páginas de revistas famosas da época e foram até transformadas em cartões postais pelo setor turístico da cidade — nos dois casos, não havia menção ao nome do fotógrafo.

Sem créditos nas publicações das fotografias e sem família que lhe preservasse o legado após a morte, Armeilla permaneceu por muitos anos um completo mistério. Não havia pistas e conheciam-se apenas algumas fotografias assinadas por ele, há muito admiradas pelos especialistas.

Porém, o enigma chega ao fim com o livro “Armeilla: um mestre esquecido da paisagem carioca”. A obra, publicada pela Editora Capivara, foi escrita pelo colecionador Pedro Corrêa do Lago, a partir de pesquisas junto a Agenor Araújo Filho, e reúne as 180 fotografias identificadas até hoje como sendo de Armeilla.

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O fotógrafo se concentrou em Niterói, no Centro e na Zona Sul do Rio (Foto: André-Charles Armeilla)

Além de resgatar o crédito pela autoria das imagens, Corrêa do Lago começou uma empreitada de investigação histórica para tentar encontrar pistas da vida pessoal de André-Charles Armeilla, que permanece misteriosa em muitos aspectos. O colecionador chegou à certidão de óbito do fotógrafo, que teve um triste fim nas ruas do Rio. Morreu como indigente, com 60 anos “presumíveis”, e teve o corpo encontrado por um policial na Rua Bento Lisboa, no bairro Catete, em maio de 1913.

Pouca coisa se sabia sobre o fotógrafo no início da pesquisa. Havia poucas dezenas de negativos do início do século 20, identificados pela assinatura “C. Armeilla”. Até que uma aparente coincidência despertou a atenção de Pedro Corrêa do Lago. “Comprei num leilão um álbum com 60 fotos dele. A partir dele, descobri outros três: um na Casa de Rui Barbosa e dois com colecionadores particulares”, explica o pesquisador. “Descobri que existiam fotos maravilhosas do Uruguai assinadas por A. Armeilla. Como o sobrenome é pouco comum, ou eram irmãos ou a mesma pessoa. Nossa teoria é de que são a mesma pessoa”, completou Corrêa do Lago, que teve Agenor Araújo Filho por parceiro de investigação.

Os pesquisadores concluíram que, após uma temporada na capital do Uruguai (Montevidéu), o fotógrafo francês fotografou o Rio, incluindo Paquetá, e arredores, como Niterói, por dez anos, entre 1903 e 1913. Na Cidade Maravilhosa, ele se restringiu da Zona Sul ao Centro, onde registrou lugares como a antiga Avenida Central (atual Avenida Rio Branco). Mas as imagens que melhor retratam sua maestria são de natureza, como as famosas palmeiras do Jardim Botânico.

No geral, os registros capturam momentos cotidianos e paisagens do Rio de Janeiro, a então capital do Brasil. Há indícios de que Armeilla tenha vendido muitas fotos para revistas da época, que as publicavam sem o nome do autor. Aliás, uma bela vista da Avenida Beira-Mar (situada na orla do centro da cidade), com vista para Flamengo e Botafogo, foi parar numa nota de dez mil réis em 1918, mas sem assinatura do fotógrafo.

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O legado de Armeilla permaneceu oculto por muitos anos, até ser redescoberto por um colecionador (Foto: André-Charles Armeilla)

Se corre um boato de que “cariocas não gostam de dias nublados”, o autor do livro sobre Armeille detalha que o francês parecia ter um gosto especial pelas nuvens na paisagem carioca. Suas fotos revelam maestria no manejo da luz. Afinal, André-Charles Armeille foi um pioneiro no registro de crepúsculos e imagens noturnas.

A importância histórica de registros antigos do Rio jamais seria menosprezada. O historiador Paulo Reis relata, por exemplo, que um dos bairros fotografados por Armeille é a Lapa. “Um dos primeiros bairros da cidade. Era residencial, mas no início do século 20 se transforma um bairro boêmio. Ficou abandonado por um tempo, e hoje retorna a essa característica de bairro boêmio, o que guarda a cultura da cidade”, explica. O Rio de Janeiro, portanto, continua lindo, como já o era nas lentes do fotógrafo francês misterioso.

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