“Jeitinho brasileiro”, “gambiarra”, “malandragem”. O Brasil possui várias palavras para designar um estilo de vida ou modo de reagir às dificuldades que é inesperado, criativo, e até bem-humorado. Essas características muitas vezes simbolizam algo que é traço de todo o Brasil, mas é impossível não falar especificamente do Rio de Janeiro. A figura do “malandro carioca”, representado na literatura, peças de teatro (como “A Ópera do Malandro”, de Chico Buarque”) e mesmo no cinema mundial (como esquecer o Zé Carioca?), tem origem histórica.
O conceito da malandragem, tão conhecido hoje em todo o Brasil como referência dos cariocas, foi construído há muitas décadas, sendo associado às características e modo de vida dos residentes do Rio de Janeiro. A origem do termo é datada do início do século XX, momento em que o Rio passava por uma intensa modernização urbana e, no campo da cultura, o gênero da crônica cotidiana caía no gosto da população.
O primeiro a citar o assunto foi Machado de Assis, que, ao avaliar os patrimônios materiais e imateriais da cidade, associou a sua percepção do povo carioca – pouco participativo politicamente, comemorativo, descompromissado e irônico – com alguns traços da cidade, que não tinha o mesmo afinco por assuntos políticos que demonstrava ter pelas festividades. Outros intelectuais da época, como João do Rio e Lima Barreto, também atentaram para as peculiaridades do modo de vida carioca e começaram a traçar o perfil do malandro, desde o seu modo de convívio em sociedade até as expressões utilizadas em sua fala.
O Malandro e o Samba
Na década de 1920, a figura do malandro começou a caminhar lado a lado com o samba, já que ambos eram apontados como representantes da singularidade carioca. O malandro era a figura marginalizada que encontrava meios – nem sempre politicamente corretos – para sobreviver. A sua origem está diretamente ligada à abolição da escravatura e ao modo de vida dos ex-escravos, que ocupavam os morros. Já o samba é uma das principais formas de expressão cultural desse povo.
Essa foi a época em que o personagem de terno de linho branco, camisa listrada, chapéu de palha, sapato bicolor e navalha no bolso seria tema de peças teatrais e músicas, também aparecendo na literatura e no cinema. Despojado, conquistador, irônico e sem apreço pelo trabalho, o malandro carioca serviu como inspiração para os maiores sambistas da primeira metade do século, como Moreira da Silva, Wilson Baptista, Donga e Geraldo Pereira.
Várias nuances da personalidade do malandro foram retratadas nas composições. Há narrativas em que ele aparece tirando o máximo de vantagem das situações e pessoas ao seu redor. Já em outras, ele parece querer se regenerar, quase sempre para conquistar a confiança da mulher amada.
Mas tal qual a cidade e seus habitantes, a figura do malandro foi se modernizando e se moldando ao contexto ao seu redor. Atualmente, o personagem já não carrega uma carga tão negativa e podemos aprender muito com ele em nosso cotidiano. O malandro consegue aliar inteligência, esperteza e resiliência como ninguém mais consegue. Além disso, é de sua natureza prever a hora exata de agir, sem se antecipar e nem perder oportunidades. Lidar com as dificuldades de maneira positiva também é o seu forte, já que ele foi nascido na adversidade, mas à sua maneira soube contorná-la.
Podemos dizer que esse texto seria um estudo histórico sobre esse personagem emblemático do carnaval carioca. Mas a principal lição é não deixarmos de lado a graça e a leveza, ainda que o dia a dia seja difícil, encarando a vida como se ela fosse um eterno carnaval.
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